A Caatinga, maior mancha de Floresta Tropical Estacional Seca da região Neotropical, localizada no Nordeste do Brasil, é caracterizada principalmente por vegetação caducifólia e extrema sazonalidade de chuvas. Historicamente tratada como um domínio biologicamente empobrecido, estudos recentes têm revelado novos padrões de diversificação e a descoberta de várias novas espécies de rãs, mamíferos, insetos e peixes. Entre essas descobertas, destaca-se a identificação de uma nova espécie de ave, a choca-do-nordeste-da-caatinga (Sakesphoroides niedeguidonae).
A nova espécie foi nomeada em
homenagem a Niède Guidon, arqueóloga que explorou sítios pré-históricos
na Serra da Capivara, Piauí. Seus esforços ajudaram a criar o Parque Nacional
da Serra da Capivara e a reavaliar teorias sobre a colonização das Américas.
Ela é um símbolo de preservação ambiental na Caatinga.
A pesquisa que levou à descoberta
da nova espécie
A descoberta da nova espécie de
choca foi fruto de uma pesquisa extensa, envolvendo a análise de 1.079 aves,
das quais 92 eram exemplares preservados em museus e 987 fotografias digitais.
Além disso, foram utilizadas 115 gravações sonoras e 58 amostras de material
genético. A pesquisa permitiu a estimativa da história genética e das relações
de parentesco entre as linhagens através de 568 registros de ocorrência.
Publicado em 18 de junho de 2024 na revista Zoologica Scripta,
o artigo resultou de uma colaboração entre o Instituto Tecnológico Vale
(ITV), o Museu Paraense Emílio
Goeldi e as universidades federais do Pará (UFPA)
e do Rio Grande do Norte (UFRN).
Os dados genéticos inéditos
indicaram que alterações no curso do Rio São Francisco e oscilações climáticas
ao longo de um milhão de anos causaram a divisão do grupo em duas espécies
distintas. Até então, os indivíduos da nova espécie eram considerados parte da
espécie Sakesphoroides cristatus. No entanto, diferenças genéticas, de
plumagem e de canto entre os grupos analisados evidenciaram que se tratava de
uma nova espécie, nomeada Sakesphoroides niedeguidonae.
Características distintivas da
nova espécie
Os machos de S. niedeguidonae
são semelhantes em plumagem aos S. cristatus, mas as fêmeas diferem
pelas cores distintas da coroa, dorso e cauda. S. niedeguidonae
apresenta uma cor geral mais clara (âmbar) em vez de castanha, como S.
cristatus. O dorso de S. niedeguidonae é marrom-oliva, enquanto o de
S. cristatus é marrom-canela. A cauda de S. niedeguidonae é mais
escura, com barras pretas e brancas, substituídas em S. cristatus por
discretas barras marrons opacas e ruivas.
O canto de S. niedeguidonae
difere visivelmente do de S. cristatus pelo formato das primeiras notas.
O canto de S. niedeguidonae tem notas iniciais com um padrão
ascendente-descendente de modulação de frequência, visualmente semelhante a uma
letra 'U' invertida em espectrogramas sonoros. Além disso, o canto de S.
niedeguidonae possui um número significativamente maior de notas, duração
geral mais longa e ritmo mais lento. As gravações femininas apresentam cantos
mais agudos perceptíveis do que os masculinos.
Implicações da descoberta
Os achados da pesquisa destacam a
possibilidade de descrever novas espécies na Caatinga, especialmente com a
incorporação de dados moleculares nos estudos. Pesquisadores do ITV e enfatizam
que este foi o primeiro estudo a mostrar um novo padrão evolutivo para as aves
da região, sinalizando que ainda há muito a ser descoberto. Além de abrir
espaço para outras pesquisas, o estudo pode contribuir para a criação de
estratégias de proteção para essas espécies e para o ecossistema como um todo.
Desafios para a conservação
A região da Caatinga tem sido
fortemente perturbada por atividades humanas, como a conversão de áreas de
vegetação nativa para agricultura comercial e pecuária, além da superexploração
da vegetação nativa. A ausência de um sistema de áreas protegidas conectadas
por corredores, juntamente com a intensificação da desertificação e alterações
climáticas, exacerba os impactos dessas ameaças. Embora S. niedeguidonae
seja comum na maior parte de sua distribuição, sua capacidade de tolerar
paisagens antropogênicas sem vegetação natural próxima parece ser baixa.
Estimativas mais precisas do tamanho da população e uma melhor compreensão da
fragmentação da paisagem e dos efeitos das mudanças climáticas são necessárias
para melhorar as avaliações do risco de extinção desta espécie.
A descoberta da choca-do-nordeste-da-caatinga
(Sakesphoroides niedeguidonae) destaca a importância de estudos
detalhados e integrativos para a compreensão da biodiversidade na Caatinga. A
incorporação de dados genéticos e moleculares pode revelar novas espécies e
contribuir para a preservação e proteção desses ecossistemas únicos. O
trabalho contínuo dos pesquisadores é crucial para descobrir mais sobre as
relações evolutivas e a conservação das espécies da Caatinga.
Fontes: G1Globo,
Itatiaia,
Vale,
Agência
Bori, Zoologica Scripta, Yaconews
Fotos: Choca-do-nordeste-da-caatinga_Macho_by Pablo Cerqueira e segunda foto: Choca-do-nordeste-da-caatinga_Fêmea_by Pablo Cerqueira