Um pequeno mamífero de hábitos
noturnos e cauda longa, escondido nas densas florestas nubladas do norte do
Peru, acaba de ser reconhecido pela ciência como uma nova espécie: Marmosa
chachapoya. A descoberta, anunciada em junho de 2025 com publicação na
revista do American
Museum of Natural History, foi resultado de uma expedição conduzida por
pesquisadores brasileiros em parceria com cientistas peruanos, marcando um
importante avanço na compreensão da biodiversidade andino-amazônica.
O achado destaca não apenas a
riqueza ainda pouco conhecida da fauna sul-americana, mas também o valor das
colaborações científicas internacionais para a conservação de ecossistemas de
alta complexidade e vulnerabilidade.
A descoberta nas florestas de
nuvem
A Marmosa chachapoya
foi encontrada em uma região conhecida como “floresta de nuvem”,
localizada entre 1.800 e 2.500 metros de altitude, no departamento de Amazonas,
norte do Peru. Esses ecossistemas, caracterizados por neblina constante, alta
umidade e vegetação densa, são considerados um dos ambientes mais ricos e
frágeis do planeta.
Durante expedições realizadas entre
2016 e 2019, os pesquisadores coletaram espécimes que, inicialmente, foram
confundidos com indivíduos de espécies já conhecidas do gênero Marmosa.
Contudo, análises genéticas e morfológicas subsequentes revelaram que se
tratava de uma espécie inédita, com características distintas e habitat
restrito às montanhas peruanas.
Características físicas e comportamentais
A nova espécie pertence ao grupo
popularmente conhecido como cuícas ou marsupiais-de-cauda-longa. O corpo da Marmosa
chachapoya mede cerca de 12 centímetros, mas sua cauda ultrapassa 15
centímetros — uma das proporções mais longas já registradas para o gênero. Essa
cauda preênsil atua como um importante auxílio para o deslocamento entre os
galhos, já que o animal passa a maior parte do tempo em árvores.
Sua pelagem é densa e macia, de
coloração marrom-acinzentada, o que lhe permite camuflar-se entre os musgos e
epífitas das florestas úmidas. O ventre apresenta tonalidade mais clara, e o
rosto possui manchas características em torno dos olhos, que funcionam como
marcações de reconhecimento intraespecífico.
Assim como outros membros da família
Didelphidae, a Marmosa chachapoya é omnívora, alimentando-se de
insetos, frutas e pequenos invertebrados. Sua atividade é predominantemente
noturna, com comportamento solitário e territorial. A fêmea, como é típico dos
marsupiais, possui bolsa abdominal (marsúpio) onde abriga os filhotes durante
as primeiras semanas de vida
O nome e seu significado cultural
O nome chachapoya homenageia
o antigo povo pré-colombiano que habitava a região dos Andes peruanos,
conhecido como “povo das nuvens”. Essa denominação é simbólica, pois reflete
tanto a origem geográfica do animal quanto a herança cultural da área onde foi
descoberto.
Segundo os pesquisadores, a escolha
do nome também tem como propósito reforçar o vínculo entre biodiversidade e
patrimônio cultural, reconhecendo que a conservação da natureza está
profundamente ligada à valorização das identidades locais e ao conhecimento
tradicional das populações andinas.
Importância científica e
ecológica
A descoberta da Marmosa
chachapoya amplia o conhecimento sobre a evolução e dispersão dos
marsupiais na América do Sul. Estudos genéticos indicam que o gênero Marmosa
teve origem na Amazônia e gradualmente colonizou os Andes, adaptando-se a
diferentes altitudes e condições ambientais.
Essas espécies desempenham papéis
ecológicos fundamentais, atuando na dispersão de sementes e no controle
populacional de insetos. Portanto, a presença da Marmosa chachapoya
reforça o papel das florestas de nuvem como centros de diversidade biológica e
processos evolutivos únicos.
O registro da espécie também chama
atenção para o potencial de descobertas ainda inexploradas nessas regiões, que
combinam alta biodiversidade com ameaças crescentes, como desmatamento e mudanças
climáticas. A destruição desses ecossistemas poderia levar à perda de
espécies antes mesmo de serem descritas pela ciência.
Conservação e desafios futuros
Apesar de recém-descrita, a Marmosa
chachapoya já desperta preocupações quanto à sua conservação. As
florestas nubladas do norte peruano sofrem pressão de atividades humanas, como expansão
agrícola, mineração e extração madeireira, que fragmentam habitats e
reduzem áreas de refúgio para a fauna.
Os pesquisadores enfatizam a
necessidade de incluir essa região em programas de monitoramento ambiental e de
promover áreas protegidas que assegurem a integridade de seu ecossistema. A
descoberta também evidencia a urgência de financiar pesquisas de campo,
frequentemente realizadas em locais de difícil acesso e alto custo logístico,
mas essenciais para a compreensão da biodiversidade sul-americana.
Além disso, a divulgação científica
tem papel central na sensibilização pública e política sobre a importância de
proteger esses ambientes. A presença de pesquisadores brasileiros nesse esforço
reforça a relevância da cooperação internacional para ampliar o
conhecimento sobre espécies transfronteiriças e a conservação integrada entre
países amazônicos
A Marmosa chachapoya
representa mais do que a adição de um novo nome ao catálogo da biodiversidade
mundial. Ela simboliza a persistência da vida em ambientes de extrema
fragilidade e a capacidade da ciência de revelar mistérios ainda ocultos nas
montanhas e florestas da América do Sul.
Sua descoberta reafirma que a Amazônia e os Andes continuam sendo
fronteiras vivas do conhecimento biológico onde, ainda, há muito a ser
descoberto.
Fontes: OGlobo, El Oriente, Live Science, O Tempo, Earth.com, Vice Magazine, UOL, Sci News, Bioone, American Museum of Natural History, Mammal Diversity
Fotos: Todas as fotos são de Pedro Peloso