Ratinho-goytaca, um roedor endêmico das restingas do Norte Fluminense e do Sul do Espírito Santo

O ratinho-goytaca (Cerradomys goytaca) é uma espécie de roedor descrita oficialmente em 2011 por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), após estudos realizados no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, unidade de conservação sob gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A descoberta foi publicada na revista Journal of Mammalogy em junho de 2011 e representou um marco para o entendimento da biodiversidade das restingas do Brasil, contrariando a expectativa de que a fauna desse ecossistema fosse apenas uma extensão da Mata Atlântica.

O nome popular e científico homenageia os indígenas Goytacazes, antigos habitantes do norte fluminense. O gênero Cerradomys, por sua vez, é associado ao bioma cerrado, o que reforça a hipótese de conexões evolutivas antigas entre ambientes de savana e a restinga. Estudos morfológicos e genéticos confirmaram que se trata de uma espécie distinta das demais já conhecidas do gênero, sendo inclusive considerada a maior delas em porte e com características cranianas próprias.

Distribuição geográfica e habitat

A espécie é endêmica do Brasil, ocorrendo exclusivamente em restingas do litoral norte do Rio de Janeiro e do litoral sul do Espírito Santo. Sua extensão de ocorrência (EOO) é de aproximadamente 3.795 km², enquanto a área de ocupação (AOO) foi estimada em apenas 200 km², com redução de 30% na última década. Essa restrição espacial, somada à fragmentação dos habitats, coloca a espécie em situação de vulnerabilidade e isolamento populacional.

O Cerradomys goytaca prefere ambientes de restinga arbustiva, especialmente ilhas de vegetação dominadas por Clusia, que servem de abrigo e fornecem recursos para a sobrevivência. É o único roedor cricetídeo da formação aberta de Clusia em Jurubatiba e, em alguns casos, utiliza bromélias ou constrói ninhos na copa das árvores, sendo a única espécie do gênero com hábito arbóreo registrado.

Características morfológicas

O corpo do ratinho-goytaca mede entre 116 e 166 milímetros, enquanto a cauda varia de 130 a 181 milímetros, ultrapassando o comprimento corporal. O dorso apresenta pelagem de tonalidade laranja grisalha misturada ao marrom, mais clara nas laterais, enquanto o ventre é esbranquiçado. A cabeça possui regiões acinzentadas, especialmente ao redor dos olhos e das bochechas. A cauda é nitidamente bicolor, escura na parte superior e clara na inferior, com padrões anulares mais evidentes na extremidade. As patas são longas e estreitas, recobertas por pelos claros. As fêmeas possuem quatro pares de mamas distribuídos nas regiões peitoral, pós-axial, abdominal e inguinal.

Comportamento e hábitos alimentares

Trata-se de uma espécie de hábitos noturnos. Durante o dia, permanece em ninhos localizados em bromélias ou na vegetação arbustiva, deslocando-se à noite em busca de alimento. Sua dieta inclui frutos e sementes, com destaque para o coquinho da palmeira guriri ou juruba (Allagoptera arenaria), planta simbólica do Parque Nacional de Jurubatiba. Ao consumir esses frutos, o roedor desempenha papel fundamental na dispersão de sementes, enterrando parte delas e contribuindo para a regeneração da vegetação de restinga.

Além de sua função ecológica como dispersor, o ratinho-goytaca é considerado bioindicador ambiental, pois sua presença está diretamente associada ao grau de preservação da restinga. Sua ocorrência em áreas bem conservadas, como o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba e o Parque Estadual da Lagoa do Açu, reforça a importância dessas unidades de conservação para a sobrevivência da espécie.

Importância ecológica

O Cerradomys goytaca cumpre funções essenciais no equilíbrio do ecossistema de restinga. Como dispersor de sementes, favorece a regeneração da flora nativa. Além disso, integra a base da cadeia alimentar, servindo de presa para aves de rapina, como corujas, e para pequenos carnívoros, como o cachorro-do-mato. Essa posição intermediária o torna um elo crucial entre produtores primários e predadores de topo.

Sua presença em áreas protegidas tem sido interpretada como evidência de resiliência ecológica das restingas preservadas. Estudos de longo prazo (2001–2018) no Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba indicaram que a abundância da espécie varia sazonalmente, aumentando no final da estação seca, mas também apontaram uma tendência geral de declínio populacional.

Ameaças à sobrevivência

Apesar de protegida por unidades de conservação, a espécie enfrenta ameaças intensas. Entre as principais pressões estão a expansão urbana, industrial e portuária, sobretudo no norte do Rio de Janeiro e no sul do Espírito Santo. Empreendimentos como portos, polos industriais e atividades ligadas à exploração de petróleo na Bacia de Campos impactam diretamente seu habitat. Além disso, a especulação imobiliária e a expansão agropecuária contribuem para a fragmentação da restinga.

Outro fator crítico é a introdução de espécies exóticas invasoras, como o rato-preto (Rattus rattus) e o camundongo-doméstico (Mus musculus), que competem por recursos e podem predar o ratinho-goytaca. Essas espécies já foram registradas inclusive dentro do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, aumentando os riscos de declínio populacional.

Conservação e perspectivas

O ratinho-goytaca está classificado como Em Perigo (EN) na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), devido à redução de sua área de ocupação, fragmentação severa das populações e perda de habitat. Sua tendência populacional é de declínio, embora localmente possa ser relativamente abundante.

As unidades de conservação desempenham papel central em sua proteção. O Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, o Parque Estadual da Lagoa do Açu e a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Fazenda Caruara garantem refúgios essenciais para a espécie. A consolidação desses espaços e o fortalecimento das pesquisas acadêmicas têm ampliado o conhecimento sobre a fauna das restingas, reforçando sua relevância como “berçários de biodiversidade”.

Contudo, a preservação da espécie depende não apenas da manutenção dessas áreas, mas também de políticas públicas que conciliem desenvolvimento econômico e conservação. Projetos de infraestrutura precisam considerar os impactos sobre espécies endêmicas e restritas como o Cerradomys goytaca, cuja sobrevivência é um indicador da integridade dos ecossistemas costeiros brasileiros.

A descoberta do ratinho-goytaca revelou que as restingas brasileiras abrigam uma biodiversidade singular, desafiando antigas concepções sobre sua relação com a Mata Atlântica. Hoje, esse pequeno roedor representa não apenas um símbolo da fauna do Norte Fluminense, mas também um alerta sobre a vulnerabilidade de ecossistemas costeiros frente à pressão humana.

Sua preservação requer esforços contínuos de pesquisa, proteção legal e conscientização pública. O Cerradomys goytaca é mais do que uma espécie ameaçada: é um elo vital na manutenção da diversidade biológica das restingas e um testemunho da necessidade urgente de equilibrar conservação e desenvolvimento.

Fontes: ICMBio, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Journal of Mammalogy, Zoologia, Acta Biológica Colombiana, Universidade Estadual do Norte Fluminense, O Eco, Animalia.bio, OGlobo, SAlVE.ICMBio, Extra.Globo 

Fotos: Todas são material de divulgação