O lagarto gigante de La Gomera (Gallotia bravoana) é um dos répteis mais ameaçados do planeta e constitui um símbolo da biodiversidade insular das Ilhas Canárias. Endêmico da ilha de La Gomera, pertence ao gênero Gallotia, caracterizado por espécies que exibem tendência ao gigantismo, dieta predominantemente herbívora e singularidades anatômicas. Durante séculos, acreditou-se que essa espécie estava extinta, até que, em 1999, sua redescoberta nos penhascos de La Mérica desencadeou um amplo movimento de conservação.
O caso do lagarto gigante de La
Gomera é paradigmático porque combina esforços científicos, institucionais
e comunitários em torno da recuperação de uma espécie que esteve à beira da
extinção. Governos, universidades, ONGs e a população local foram mobilizados
em um processo contínuo que une ciência, gestão ambiental e políticas públicas
de conservação.
Redescoberta de uma espécie lendária
A “redescoberta” ocorreu em junho de
1999, quando uma pequena população foi identificada no Valle Gran Rey. Até
então, a espécie só era conhecida a partir de fósseis, que sugeriam sua antiga
abundância nas áreas de baixa e média montanha da ilha. Naquele momento,
estimava-se a sobrevivência de apenas quinze indivíduos, número insuficiente
para garantir a viabilidade genética a longo prazo.
O episódio desencadeou uma resposta
institucional imediata. O Conselho Insular de La Gomera (Cabildo) assumiu a
liderança, elaborando um protocolo rigoroso de emergência para evitar a
extinção definitiva. O plano previa desde a criação de um centro de reprodução
em cativeiro até a busca de financiamento internacional, especialmente junto à
União Europeia.
Biologia e ecologia do lagarto gigante
O Gallotia bravoana
apresenta coloração marrom-escura com pequenas manchas azuis nas laterais e uma
garganta intensamente branca, característica distintiva dos adultos. Os
indivíduos podem atingir até 55 centímetros de comprimento e cerca de 300
gramas, embora fósseis indiquem que, em épocas passadas, eram ainda maiores.
A espécie tem hábitos diurnos e dieta
predominantemente herbívora, consumindo também invertebrados e carniça. A
reprodução ocorre entre maio e junho, quando os machos percorrem grandes
distâncias em busca de fêmeas. Após a cópula, as fêmeas depositam entre dois e
doze ovos, que eclodem após dois meses. Os filhotes atingem a maturidade sexual
entre 32 e 54 meses, e na natureza sua expectativa de vida raramente ultrapassa
quinze anos.
Atualmente, a distribuição natural do
lagarto está restrita a menos de dois hectares no Risco de La Mérica, um
enclave de difícil acesso. Essa limitação territorial, associada à pressão de
predadores introduzidos (como gatos e ratos) e à degradação do habitat, explica
sua classificação como “Em Perigo” pela União Internacional para a
Conservação da Natureza (UICN).
O papel das instituições e programas internacionais
A recuperação da espécie não seria
possível sem o protagonismo institucional. Desde 2006, o Cabildo de La Gomera assumiu a responsabilidade direta pela coordenação
do programa de conservação. O esforço contou com apoio financeiro do programa europeu LIFE, instrumento fundamental para custear
ações de manejo, reintrodução e educação ambiental.
Além disso, a Câmara Municipal de
Valle Gran Rey e o Governo das Ilhas Canárias também se envolveram, garantindo
recursos e suporte técnico. Organizações científicas, como a Associação Espanhola de Herpetologia, e universidades, como a Universidade de La Laguna, desempenharam papel relevante no monitoramento
biológico, na genética populacional e na formação de protocolos de reprodução.
Esse arranjo de governança
ambiental multiescalar — com cooperação entre órgãos locais, regionais,
nacionais, europeus e organizações da sociedade civil — é um dos elementos mais
significativos do processo. O sucesso parcial da recuperação do lagarto gigante
é um reflexo direto dessa articulação.
Reprodução em cativeiro: avanços e desafios
O centro de reprodução em Valle Gran
Rey, conhecido como Lagartário, foi inaugurado com apenas alguns indivíduos
capturados na natureza. O risco de endogamia era elevado, mas os
protocolos de manejo genético minimizaram os efeitos da baixa
variabilidade. A cooperação com especialistas da ilha de El Hierro, onde já
havia experiências bem-sucedidas de conservação com outra espécie de lagarto
gigante, foi decisiva. A partir de 2008, as taxas de reprodução e sobrevivência
aumentaram significativamente, alcançando índices próximos de 90%.
Nos últimos 25 anos, nasceram em
cativeiro quase 900 exemplares. Atualmente, cerca de 560 indivíduos permanecem
sob cuidados no centro, onde técnicos realizam a seleção de casais, o
monitoramento de peso e a prevenção de malformações. O acompanhamento é detalhado:
cada exemplar é registrado e integrado a um plano de manejo que busca maximizar
a diversidade genética disponível.
Reintrodução e adaptação ao habitat natural
A reintrodução em áreas naturais
é considerada a etapa mais desafiadora. Desde 2010, três grandes solturas foram
realizadas em enclaves estratégicos de La Gomera. Nessas operações, mais de 100
indivíduos foram liberados em zonas seguras, selecionadas por critérios
ecológicos e de difícil acesso humano.
Antes da soltura, os lagartos passam
por uma fase de treinamento, que inclui a exposição a sons e sombras de aves
para que aprendam a reconhecer predadores. Também são adaptados gradualmente às
condições ambientais que enfrentarão sem supervisão. Apesar de obstáculos, como
deslizamentos de terra que destruíram cercas em áreas de reintrodução, os
resultados preliminares são animadores: parte significativa dos lagartos
conseguiu se dispersar e adaptar aos novos territórios.
Atualmente, a população selvagem
original em Mérica conta com mais de 250 indivíduos, enquanto as populações
reintroduzidas, embora de difícil monitoramento, ultrapassam 100 exemplares.
Educação ambiental e participação social
A conservação do Gallotia bravoana
não se restringe às ações técnicas de manejo. Desde o início, campanhas de
sensibilização foram implementadas, especialmente em escolas, para despertar a
consciência ambiental desde a infância. O lagarto tornou-se um símbolo local,
presente em souvenires, peças decorativas e materiais turísticos, o que reforça
seu papel como patrimônio natural e cultural.
Programas sociais inclusivos também
foram incorporados. O projeto “Somos Gigantes”, vinculado à Fundação MAPFRE Canarias, integrou pessoas com deficiência em
atividades educativas e ambientais relacionadas à conservação do lagarto. Essas
iniciativas mostram como a proteção da biodiversidade pode ser articulada à
inclusão social e ao fortalecimento da identidade comunitária.
Resultados alcançados
Passados 25 anos da redescoberta, os
avanços são expressivos. Atualmente, o centro de Valle Gran Rey mantém cerca de
560 indivíduos, enquanto a população selvagem original em Mérica ultrapassa
250. Somam-se ainda as populações reintroduzidas em enclaves da ilha, estimadas
em mais de 100 exemplares. Isso coloca o contingente total próximo de mil
indivíduos, um salto extraordinário em comparação aos quinze iniciais
registrados em 1999.
Foram contabilizados quase 900
nascimentos em cativeiro, três grandes solturas e o estabelecimento de uma
população livre que já ultrapassa 100 lagartos. Esses números confirmam que a
recuperação é real, embora frágil e sujeita a ameaças externas.
Desafios persistentes
Apesar dos avanços alcançados, o lagarto
gigante de La Gomera permanece classificado como espécie “Em Perigo” (EN).
Essa mudança de categoria representa um progresso em relação ao estado anterior
de criticamente ameaçado, mas não significa que os riscos tenham desaparecido.
A pressão exercida por predadores introduzidos, como gatos e ratos,
ainda constitui uma ameaça permanente, somando-se aos efeitos da endogamia
que limitam a variabilidade genética da população. Além disso, o espaço
disponível para a expansão da espécie continua restrito, exigindo esforços
contínuos de restauração de habitat e escolha de enclaves seguros para futuras
reintroduções. Outro desafio fundamental é assegurar a manutenção do
financiamento internacional e regional, já que os custos de reprodução em
cativeiro, monitoramento genético e vigilância de populações
reintroduzidas são elevados e demandam continuidade.
O futuro da espécie dependerá da
consolidação de populações selvagens estáveis e geneticamente diversas, bem
como da ampliação de políticas públicas de proteção e da integração do lagarto
em estratégias de turismo sustentável. Em resumo, uma estratégia de longo prazo
capaz de integrar medidas técnicas, engajamento comunitário e estabilidade
institucional.
O Gallotia bravoana
representa um caso exemplar de conservação insular. Sua história reúne
elementos de drama ecológico, como a sua quase extinção, com o sucesso coletivo, representado pela
mobilização de governos, universidades, ONGs, programas internacionais e
comunidades locais.
Mais do que salvar um réptil
endêmico, os esforços pela sobrevivência do lagarto gigante de La Gomera
demonstram como a biodiversidade pode ser recuperada quando ciência, política e
sociedade atuam em conjunto. A trajetória desta espécie confirma que a conservação
sob condições desfavoráveis é possível, mas exige perseverança, recursos
estáveis e engajamento comunitário contínuo.
Fontes: El
Diário/Canarias Ahora(2), Atres
Media, La
Vanguardia, Mongabay,
El
Diário/Canarias Ahora(1), Gomera
Notícias, EFE:
Verde, Radio
Televisión Canária, Cabildo
Insular de la Gomera, Gobierno
de Canárias (2), Boletim oficial
de Canárias, Animalia.bio,
Gobierno
de Canarias (1)
Fotos: Lagarto gigante de la Gomera_by Carlos Fernández.jpg e segunda foto: _La Vanguardia.jpeg e terceira foto:_by P. Geniez.jpg