História, declínio e conservação da cacatua de Abbott


 A cacatua de Abbott (Cacatua sulphurea abbotti) é uma subespécie de cacatua-de-crista-amarela, considerada uma das aves mais raras e ameaçadas do mundo. Restrita atualmente à pequena ilha de Masakambing, no arquipélago de Masalembu, no Mar de Java, sua população já esteve à beira da extinção. O esforço conjunto de organizações não governamentais, instituições científicas e comunidades locais tem sido essencial para evitar o desaparecimento dessa ave singular.

Origem e história

A cacatua de Abbott foi observada pela primeira vez em 1907 e descrita cientificamente em 1919, em registros que apontavam sua ocorrência em grandes populações no arquipélago de Masalembu. À época, as aves eram tão numerosas que enchiam os céus da ilha de Masakambing, antes da degradação ambiental e da pressão da captura ilegal.

Essa subespécie faz parte do grupo das cacatuas-de-crista-amarela (Cacatua sulphurea), que possui quatro subespécies reconhecidas. Entre elas, a abbotti permanece como a menos estudada e a mais rara. Caracteriza-se por pequenas diferenças morfológicas em relação às demais, como o comprimento levemente maior da cauda, embora tais aspectos não sejam suficientes para distingui-la clinicamente de forma segura.

A distribuição geográfica restrita à ilha de Masakambing reforça sua condição de isolamento ecológico e vulnerabilidade. Não há registros de populações atuais nas ilhas vizinhas de Masalembu e Keramaian, onde provavelmente foi extinta. Esse isolamento torna a abbotti um exemplo emblemático de como aves insulares podem ser drasticamente impactadas por pressões humanas e ambientais em curtos períodos históricos.

Declínio populacional

Nas décadas de 1980 e 1990, a espécie sofreu um colapso populacional dramático. A captura para o comércio ilegal de aves de estimação foi um dos principais fatores, frequentemente realizada por pescadores visitantes que utilizavam métodos capazes de dizimar bandos inteiros. A exploração de petróleo na região também contribuiu para a retirada de exemplares, frequentemente levados como lembranças. Além disso, relatos indicam que soldados caçavam as aves para consumo. Paralelamente, a perda de habitat florestal agravou a situação, já que a ilha passou a ter apenas um quilômetro quadrado de área não cultivada, inviabilizando populações viáveis em outras ilhas do arquipélago.

Em 1997, estimava-se que restavam apenas cinco indivíduos. Expedições em 2008–2009 redescobriram pequenos grupos reprodutivos, incluindo casais e juvenis. Observações posteriores indicaram uma leve recuperação: em 2015, a população em Masakambing foi estimada entre 17 e 22 indivíduos — ainda criticamente baixa, mas sinalizando efeito dos esforços de conservação e reacendendo a esperança de que a subespécie ainda pudesse ser salva da extinção.

Estudos científicos

Os primeiros estudos sistemáticos sobre a cacatua de Abbott surgiram na década de 1990, com o apoio de entidades internacionais como a BirdLife International e órgãos governamentais indonésios que voltaram suas atenções para o arquipélago de Masalembu. Relatórios preliminares, ainda que em grande parte não publicados, documentaram a situação alarmante da subespécie, registrando populações extremamente reduzidas em comparação às abundâncias relatadas no início do século XX.

Em 1994, levantamentos de campo em cooperação com o governo indonésio e organizações internacionais revelaram que apenas um número reduzido de indivíduos permanecia na natureza. Alguns anos depois, em 1998, uma tese acadêmica produziu uma análise detalhada da biologia e do estado de conservação da ave, embora também não tenha sido amplamente divulgada. Apesar da limitação na publicação formal, esses estudos forneceram informações essenciais sobre a dieta, os ninhos e os padrões de reprodução, servindo de base para a formulação de estratégias de conservação.

A partir de 2007, com a entrada de organizações como o Projeto Papagaio da Indonésia (Indonesian Parrot Project – IPP) e a Konservasi Kakatua Indonesia, a pesquisa passou a ser associada diretamente às práticas de conservação. Expedições conjuntas mapearam ninhos ativos, registraram o comportamento das aves e forneceram estimativas populacionais mais recentes, consolidando uma base científica indispensável para ações de proteção.

Pesquisas mais sistemáticas tiveram início nos anos 1990, com o apoio de entidades internacionais como a BirdLife International e órgãos governamentais indonésios. Embora muitos relatórios iniciais não tenham sido publicados, eles documentaram a situação crítica da espécie e apontaram as causas de seu declínio. O Instituto Indonésio de Ciências também incluiu a cacatua de Abbott em debates técnicos, mas foi a partir de 2007 que projetos específicos de conservação ganharam força.

Esforços de conservação

O Projeto Papagaio da Indonésia e a Konservasi Kakatua Indonesia (KKI) desempenharam papel central na proteção dessa subespécie. Desde 2007, essas organizações têm trabalhado diretamente com a comunidade de Masakambing, estabelecendo programas de educação ambiental, combate ao contrabando e proteção legal. Entre as iniciativas, destaca-se o programa Conservação-Conscientização-Orgulho (CAP), que envolve crianças e jovens da ilha, estimulando a valorização da ave como símbolo local.

Outro aspecto importante foi a criação de legislações específicas para proteger a Cacatua de Abbott, complementando as normativas nacionais e internacionais, como a inclusão da espécie no Apêndice I da CITES, que proíbe seu comércio internacional. Oficiais de polícia e militares também passaram a receber treinamentos sobre as proteções legais, fortalecendo o cumprimento das normas.

Ameaças persistentes

A cacatua de Abbott enfrenta um conjunto de ameaças interligadas que explicam sua situação crítica. O comércio ilegal de aves de estimação continua sendo um risco, especialmente porque a raridade da subespécie a torna objeto de prestígio entre colecionadores e autoridades locais. Os métodos de captura, muitas vezes envolvendo o uso de aves domesticadas como isca, historicamente resultaram em perdas significativas de bandos inteiros.

Além disso, a destruição do habitat é uma das causas mais graves de seu declínio. A derrubada de árvores nativas, como kapok (Ceiba pentandra) e manguezais (Avicennia apiculata), compromete a disponibilidade de locais adequados para nidificação. Em substituição, avançaram monocultivos de coqueiros, que não oferecem as mesmas condições ecológicas para a reprodução. A redução do habitat disponível limita não apenas o número de ninhos, mas também a oferta de alimentos essenciais, como frutos de sukun e outras espécies vegetais.

Somado a esses fatores, pressões históricas, como a caça para consumo, intensificaram o risco de extinção. Hoje, mesmo com medidas de proteção legal, a fragilidade do ecossistema insular e a baixa diversidade genética da população sobrevivente mantêm a espécie em um estado de vulnerabilidade extrema.

Estratégias em curso

As medidas de conservação adotadas incluem o monitoramento de ninhos, a contratação de moradores como guardiões, a instalação de caixas-ninho artificiais e programas de pagamento por filhotes que atingem o estágio de voo com sucesso. Também foram propostas estratégias mais ousadas, como a reprodução em cativeiro, para repovoar Masakambing caso a população selvagem não se recupere suficientemente.

A educação ambiental desempenha papel central nesse processo. Campanhas de sensibilização em escolas, reuniões comunitárias e a distribuição de materiais educativos, como camisetas e adesivos, ajudam a difundir a importância da conservação da cacatua de Abbott. O objetivo é criar um senso de pertencimento e responsabilidade coletiva para garantir a sobrevivência da espécie.

Apoio internacional

Projetos de conservação têm contado com o apoio de entidades internacionais, como a American Federation of Aviculture e a Loro Parque Fundación, demonstrando que a proteção dessa ave não é apenas uma responsabilidade local, mas um compromisso global com a preservação da biodiversidade. A cooperação entre ONGs, governos e comunidades locais representa um modelo inspirador de conservação integrada.

A cacatua de Abbott simboliza os desafios da conservação de espécies insulares altamente vulneráveis. Com uma população que já esteve à beira da extinção, sua sobrevivência depende da continuidade dos esforços comunitários, científicos e institucionais. O caso ilustra como a combinação de engajamento local, legislação eficaz e apoio internacional pode abrir caminho para a recuperação de espécies criticamente ameaçadas. No entanto, a persistência das ameaças evidencia que a batalha pela conservação está longe de ser concluída.

Fontes: Peggy's Parrot Place, The Grrlscientis, The Sidney Morning Herald, Scispace, INaturalist, Indonesian Parrot Project, AFA Watchbird

 Fotos:Cacatua de Abbott_ Zoo Veldhoven.jpg ; segunda foto:_by J. Pfleiderer.jpg; terceira foto: _by Dudi Nandika.png e quarta foto: _by Mehd Halaouate02.jpg