Descoberta do Incanomys mayopuma: um novo gênero de roedor semiaquático nas montanhas peruanas


 A identificação do Incanomys mayopuma, um roedor semiaquático andino até então desconhecido da ciência, representa um marco significativo para a biologia e a conservação da fauna sul-americana. Publicado na prestigiada revista científica Diversity, o estudo descreve não apenas uma nova espécie, mas também um novo gênero, o que implica a descoberta de uma linhagem evolutiva inédita dentro do grupo Ichthyomyini, caracterizado por sua adaptação a ambientes fluviais dos Andes.

A espécie foi encontrada na região de Wiñaywayna, localizada dentro do Santuário Histórico de Machu Picchu, no Peru, a aproximadamente 2.800 metros de altitude. A descoberta revela que, mesmo em locais amplamente visitados por turistas, ainda existem organismos desconhecidos pela ciência, reforçando a importância de preservar áreas naturais protegidas como espaços privilegiados de conservação e investigação.

Características morfológicas e ecológicas

O Incanomys mayopuma se destaca por um conjunto de características anatômicas e ecológicas singulares. Seu corpo apresenta pelagem densa e cinza, adaptada ao frio e à umidade dos ambientes montanhosos. As orelhas são de tamanho reduzido, praticamente escondidas sob os pelos, como resultado de um processo evolutivo de adaptação ao ambiente aquático (orelhas vestigiais), o que provavelmente contribui para a conservação de calor e para a movimentação eficiente na água. As patas traseiras, modificadas, evidenciam uma evolução voltada para a natação, conferindo à espécie agilidade em riachos de correnteza rápida.

Outro aspecto incomum é sua dieta predominantemente carnívora, possivelmente composta por invertebrados aquáticos ou terrestres — uma raridade entre os roedores andinos. Essa característica funcional reforça a hipótese de um nicho ecológico altamente especializado, sugerindo uma história evolutiva adaptada à vida nos cursos d’água de altitude.

Habitat e adaptação ao ambiente andino

O habitat da espécie compreende florestas úmidas de montanha e riachos localizados nas encostas andinas do sul do Peru. As condições ambientais nessa faixa altitudinal — como variações térmicas intensas, baixa oxigenação e vegetação densa — requerem adaptações fisiológicas e comportamentais sofisticadas. O Incanomys mayopuma parece ter evoluído exatamente nesse sentido, integrando perfeitamente suas capacidades locomotoras e fisiológicas a um ecossistema exigente e dinâmico.

A descoberta reforça a importância dos Andes peruanos como um hotspot de biodiversidade, abrigando espécies endêmicas ainda não descritas e oferecendo pistas valiosas sobre os processos de adaptação a ambientes extremos.

Significado cultural do nome científico

O nome Incanomys mayopuma não foi escolhido ao acaso. Ele reflete a forte conexão entre a biodiversidade andina e a cultura local. O termo “Incanomys” presta homenagem à civilização inca, cujos vestígios estão profundamente ligados à região onde o animal foi descoberto. Já “mayopuma” é uma combinação de palavras em quíchua: mayu (rio) e puma (animal ágil e predador), aludindo à natureza semiaquática e caçadora do roedor.

Essa escolha reforça a valorização dos saberes ancestrais e da língua nativa na construção do conhecimento científico contemporâneo, promovendo uma integração simbólica entre cultura e natureza.

Relevância científica e ecológica da descoberta

A identificação de um novo gênero e espécie endêmica no interior de uma das áreas mais visitadas do planeta — o Santuário Histórico de Machu Picchu — é um indicativo claro de que o conhecimento científico sobre a fauna andina ainda está longe de ser completo. Essa revelação serve como um alerta para a necessidade de continuar investindo em pesquisas de campo em ecossistemas aparentemente bem explorados.

O Incanomys mayopuma integra o grupo Ichthyomyini, cuja distribuição é restrita a ambientes fluviais sul-americanos. Sua descoberta amplia o conhecimento sobre a diversidade evolutiva dos roedores da família Cricetidae e sugere novas questões sobre os mecanismos adaptativos em regiões montanhosas tropicais.

Papel das instituições e áreas protegidas

O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade Católica de Santa María e da Universidade Nacional de San Agustín de Arequipa. A pesquisa contou também com o suporte institucional do Serviço Nacional de Áreas Naturais Protegidas pelo Estado (SERNANP), que administra o Santuário de Machu Picchu e desempenha importante papel na proteção desses ecossistemas.

O SERNANP, vinculado ao Ministério do Ambiente do Peru, tem atuado com eficácia na patrulha, monitoramento e apoio logístico às atividades científicas na região. Essa atuação integrada entre universidades e órgãos públicos tem sido fundamental para expandir o inventário biológico do país e promover a conservação de sua rica biodiversidade.

 

Implicações para a conservação e o futuro da espécie

A descoberta do Incanomys mayopuma representa não apenas uma contribuição científica, mas também um chamado à ação em defesa da conservação dos ecossistemas andinos. A presença de uma espécie tão especializada em uma área com intensa visitação turística reforça a importância de políticas de manejo sustentável e de proteção efetiva dos habitats naturais.

Os pesquisadores destacam que áreas protegidas como Machu Picchu, além de seu valor cultural e histórico, são reservas insubstituíveis de biodiversidade. A continuidade de descobertas como essa depende diretamente da preservação desses territórios e do fortalecimento de estratégias colaborativas entre ciência, gestão ambiental e comunidades locais.

Fontes: Boleto Peru, El litoral, Andina, UNSA, Gob.Pe, ABC, La República, MercoPress, Perú21, Noticias Ambientales,, Diário del Cusco, Infobae, MDPI Diversity

Foto: Incanomys mayopuma,_by Alexánder Pari.jpg