Sapo corroboree do Sul: conservação urgente de uma espécie à beira da extinção


 O sapo corroboree do Sul (Pseudophryne corroboree) ou rã corroboree do Sul, uma das espécies de anfíbios mais icônicas da Austrália, enfrenta uma crise de sobrevivência sem precedentes. Endêmico das regiões alpinas do Parque Nacional Kosciuszko, em Nova Gales do Sul, esse pequeno anfíbio de cores vibrantes está funcionalmente extinto na natureza, ou seja, as populações selvagens remanescentes são insuficientes para garantir sua continuidade sem intervenção humana. Entre os principais responsáveis por esse colapso populacional estão a doença infecciosa quitridiomicose, o impacto das mudanças climáticas, a degradação do habitat e a introdução de espécies invasoras. Ao longo das últimas décadas, programas de conservação in-situ e ex-situ mobilizaram zoológicos, universidades, ONGs e agências governamentais em uma aliança para evitar a extinção desse sapo do tamanho de um clipe de papel.

Características e ecologia

O sapo corroboree pertence ao gênero Pseudophryne, composto por rãs terrestres australianas. Duas espécies são reconhecidas: o sapo corroboree do sul (P. corroboree), com listras amarelas intensas, e o sapo corroboree do norte (Pseudophryne pengilleyi), com coloração variando entre o amarelo e o verde-limão. Ambas possuem listras longitudinais marcantes, íris preta e ventre marmorizado, além de glândulas dérmicas que secretam toxinas potentes como forma de defesa contra predadores. Adultos medem entre 2,2 e 3,1 cm e vivem em habitats subalpinos úmidos, como pântanos, turfeiras de esfagno, bosques esclerófilos e florestas de montanha. São predominantemente noturnos e se alimentam de pequenos invertebrados, como formigas, besouros e larvas.

A reprodução ocorre durante o verão (janeiro a fevereiro). Os machos chamam as fêmeas com um som semelhante a um esguicho e depositam os ovos em ninhos úmidos e temporariamente secos. Os embriões entram em diapausa até que as chuvas os inundem, estimulando a eclosão. Os girinos, de coloração escura e com cauda em forma de remo, completam seu desenvolvimento em corpos d'água gelados, muitas vezes cobertos por gelo, até sofrerem metamorfose no verão seguinte.

Distribuição e estado de conservação

A distribuição do sapo corroboree do sul é extremamente restrita: ocorre exclusivamente na Área Selvagem de Jagungal, no Parque Nacional Kosciuszko, entre 1.300 e 1.760 metros de altitude. Desde a década de 1980, sua população declinou mais de 90%, restando apenas cerca de 30 indivíduos na natureza. Já o sapo corroboree do Norte ocupa áreas mais amplas, incluindo parques e reservas em Nova Gales do Sul e no Território da Capital Australiana, mas também está criticamente ameaçado.

As ameaças enfrentadas por essas espécies são múltiplas. A mais devastadora é a quitridiomicose, causada pelo fungo Batrachochytrium dendrobatidis (fungo quitrídio), que ataca a pele dos anfíbios e compromete funções vitais. Outros fatores incluem incêndios florestais, mudanças nos padrões de precipitação e neve, degradação das turfeiras, e impactos de espécies invasoras como porcos-selvagens, cavalos e veados.

Conservação ex-situ e reintrodução

Diante do colapso das populações naturais, estratégias de conservação ex-situ foram adotadas a partir de 1997. Quatro instituições se destacam na reprodução em cativeiro do sapo corroboree do Sul: Zoológico de Taronga, Zoológico de Melbourne, Santuário de Healesville e o Centro de Pesquisa de Anfíbios. Os indivíduos são mantidos em recintos climatizados que simulam as variações sazonais de temperatura de seu habitat original. Protocolos rigorosos de quarentena, manejo genético e controle sanitário são seguidos para preservar a saúde e a diversidade da população.

Com o sucesso dessas iniciativas, mais de 2.000 ovos do sapo corroboree do Sul já foram liberados no Parque Nacional Kosciuszko. Em 2022, um marco importante foi alcançado com a reintrodução de 100 indivíduos em um cercado protegido no parque, como parte do programa governamental “Saving our Species”. Este programa, financiado com 175 milhões de dólares pelo governo de Nova Gales do Sul, visa restaurar populações ameaçadas por meio de ações integradas de manejo, pesquisa e sensibilização.

Outros desafios: incêndios e mudanças climáticas

Apesar dos avanços, há muitos desafios a serem superados. Os incêndios florestais de 2019/2020 destruíram 60% a 70% dos sapos nos recintos livres de doença e causaram severos danos à infraestrutura de reprodução em campo. O impacto ambiental desses eventos extremos foi tão devastador que obrigou a instalação de sistemas de irrigação e câmeras remotas para proteger os recintos de futuras catástrofes. Mesmo assim, um terço da população sobreviveu, mostrando a resiliência do esforço conservacionista.

Além dos incêndios, a mudança climática ameaça secar as turfeiras e reduzir o lençol freático, inviabilizando a reprodução natural dos sapos. A competição com espécies exóticas e a propagação do fungo quitrídio por animais como cavalos e porcos-selvagens agravam ainda mais o cenário.

Inovações científicas: sequenciamento genético

Uma nova frente de esperança foi aberta com o sequenciamento do genoma completo do sapo corroboree do Sul em 2025. Com um genoma surpreendentemente grande — mais de três vezes o tamanho do genoma humano —, os cientistas agora podem estudar genes associados à resistência ao fungo quitrídio. O projeto, liderado pela Universidade de Melbourne em parceria com instituições internacionais, representa um avanço promissor para o desenvolvimento de linhagens mais resistentes à infecção.

Esse mapeamento genético também pode beneficiar outras espécies de anfíbios ameaçados por doenças infecciosas, ao permitir comparações genômicas que revelem padrões de resiliência comuns. O objetivo a longo prazo é restaurar o sapo corroboree ao seu ecossistema sem a necessidade contínua de intervenção humana.

O sapo corroboree do Sul representa mais que uma espécie em risco: simboliza o desafio da conservação em um planeta em rápida transformação. Sua sobrevivência depende da combinação entre ciência, políticas públicas, manejo ecológico e engajamento comunitário. Projetos como “Saving our Species”, aliados ao trabalho de zoológicos e centros de pesquisa, têm sido essenciais para manter viva a esperança de que, um dia, esses pequenos anfíbios retornem com segurança ao seu ambiente natural. Em tempos de crise ecológica global, o exemplo australiano mostra como a ação coordenada entre governos, ONGs e ciência pode fazer a diferença entre o desaparecimento e a recuperação de uma espécie.

Fontes: Atlas of living Australia, Corroboree frog, University of Melbourne(1), Australian Geographic, Taronga, Australian Government, NQCC, One Earth, ABC Science, University of Melbourne (2), The Guardian, Reptiles Maganize, Snowy Montains Magazine

Fotos: Rã-corroboree do Sul by David Hunter e segunda foto: Rã-corroboree do sul e do norte_by Michael McFadden; Dave Hunter_OEH e terceira foto: Rã-corroboree do sul_Taronga Zoo