O enigmático canguru-arborícola de Wondiwoi: redescoberta, ameaças e conservação


 O canguru-arborícola de Wondiwoi (Dendrolagus mayri), uma das espécies mais misteriosas e ameaçadas do planeta, representa um símbolo de esperança e urgência para a conservação da biodiversidade. Conhecido originalmente a partir de um único espécime coletado em 1928 pelo biólogo Ernst Mayr, esse marsupial foi considerado extinto durante quase um século. Sua improvável redescoberta em 2018 nas montanhas da Papua Ocidental, Nova Guiné, reacendeu o interesse científico e conservacionista, lançando luz sobre os desafios enfrentados por espécies pouco conhecidas e gravemente ameaçadas.

Redescoberta após 90 anos

Durante décadas, tudo o que se sabia sobre canguru-arborícola de Wondiwoi provinha do espécime coletado por Mayr e enviado ao Museu de História Natural de Londres. Nenhuma outra evidência da espécie foi registrada até julho de 2018, quando o naturalista amador britânico Michael Smith, em busca de arbustos Vireya, capturou fotografias de um estranho marsupial arborícola nas florestas montanhosas da Península Wondiwoi. Com o apoio de caçadores locais, Smith subiu quase 2.100 metros até uma floresta densa, onde obteve imagens que surpreenderam zoólogos. Sua descoberta levou a Global Wildlife Conservation (GWC) a incluir a espécie entre as 25 mais procuradas do mundo.

Habitat e características biológicas

O habitat do canguru-arborícola de Wondiwoi é restrito às florestas tropicais montanhosas da cordilheira de mesmo nome, na Papua Ocidental. Essas florestas, cobertas por musgo e localizadas a altitudes superiores a 1.600 metros, oferecem um ambiente isolado que pode ter garantido a sobrevivência da espécie. Como os demais representantes do gênero Dendrolagus, o canguru-arborícola de Wondiwoi apresenta adaptações notáveis para a vida nas copas das árvores: cauda longa que atua como contrapeso, membros anteriores fortes com garras afiadas e patas traseiras curtas e largas, ideais para escalada. Suas fêmeas possuem marsúpio frontal com quatro tetas, abrigando filhotes em desenvolvimento. Alimentam-se de folhas das copas, auxiliados por dentes adaptados ao corte da vegetação.

Fisicamente, seus corpos mesclam tons de terracota e ocre, conferindo-lhes camuflagem natural. Possuem olhos expressivos e braços densamente peludos, além de uma combinação morfológica que lembra simultaneamente cangurus e macacos.

Conservação e ameaças

Apesar da redescoberta, a situação da espécie é extremamente crítica. A Lista Vermelha da IUCN a classifica como "Criticamente Ameaçada (Possivelmente Extinta)", com estimativas apontando para menos de 50 indivíduos maduros. Entre as principais ameaças estão o desmatamento para produção de óleo de palma, a mineração de minerais raros (como mica e ouro), além da caça por comunidades locais.

Essas pressões colocam em risco não apenas a sobrevivência do canguru-arborícola de Wondiwoi, mas de todo o ecossistema da região, caracterizado por elevada biodiversidade e uma riqueza de espécies endêmicas.

A atuação de ONGs e esforços comunitários

A redescoberta da espécie mobilizou esforços de conservação liderados por organizações como a Tenkile Conservation Alliance (TCA), sediada na Papua. A TCA atua com programas educativos voltados às comunidades indígenas, promovendo alternativas sustentáveis à caça de cangurus-arborícolas e implementando moratórias consensuais para a proteção desses animais. Além disso, a GWC vem planejando expedições com parceiros locais para confirmar cientificamente a presença da espécie, com amostragem genética sob protocolos licenciados.

Essas iniciativas reforçam a importância de ações integradas entre ONGs, comunidades tradicionais e cientistas para garantir a proteção efetiva de espécies raras e ameaçadas.

Povos indígenas e o papel na conservação

A sobrevivência do canguru-arborícola de Wondiwoi está intimamente associada aos povos indígenas da Papua, que mantêm uma relação ancestral com as florestas da região. Essas comunidades, detentoras de conhecimentos ecológicos e práticas sustentáveis, contrastam com o modelo predatório imposto por interesses econômicos ligados à exploração de recursos naturais. A inclusão dos direitos indígenas nas políticas de conservação é essencial para assegurar a continuidade da vida nas florestas montanhosas da Nova Guiné.

A trajetória do canguru-arborícola de Wondiwoi — da obscuridade científica à redescoberta em meio à degradação ambiental — é um alerta sobre a fragilidade dos ecossistemas tropicais e a urgência da conservação. A história de Michael Smith, um botânico amador movido pela curiosidade e pela paixão pela natureza, mostra como indivíduos comprometidos podem contribuir para a ciência e a proteção da vida selvagem. A continuidade dessa espécie depende de uma combinação de esforços locais e globais, políticas de preservação eficazes e reconhecimento dos saberes indígenas. Sua permanência nas copas das florestas é um teste à capacidade humana de preservar a diversidade da vida no planeta.

Fontes: Rewild, UKinaturalist, kidadl ,National Geographic, TheTimes, The good men project, Counter currents, Palm Oil Detectives

Fotos: Canguru arborícola de Wondiwoi_ Michael Simith (Esta é a única foto desse canguru-arborícola)