Entre os mais imponentes necrófagos do mundo, destaca-se o abutre-real (Torgos tracheliotus), também conhecido como abutre-núbio, oricou ou abutre-de-faces-de-lappet. Com presença predominante na África e em partes da Península Arábica, esta ave singular exerce um papel fundamental nos ecossistemas áridos e semiáridos onde atua como “faxineira natural”. Apesar de sua importância ecológica, enfrenta ameaças crescentes que comprometem sua sobrevivência.
Características morfológicas
O abutre-real é a maior ave
necrófaga da África. Pode ultrapassar 1,10 metro de comprimento, 2,80
metros de envergadura e pesar até 9,5 quilos. A cabeça, desprovida de penas e
de coloração que varia do rosa ao vermelho intenso, adapta-se à sua dieta
carniceira, facilitando a higiene após o contato com carcaças em
decomposição. Seu bico, robusto e afiado, é uma ferramenta poderosa capaz
de rasgar peles grossas e tendões resistentes, tornando-o o primeiro a acessar
as partes duras da carniça — e a abrir caminho para outras espécies.
A plumagem apresenta padrão
contrastante: predominantemente preta com peito branco e listras claras sob as
asas. Juvenis são mais escuros e possuem coloração pálida na cabeça. Em voo, a
espécie é facilmente identificável pelas asas largas e retas, com bordas
serrilhadas, destacando-se entre os demais abutres.
Distribuição e habitat
Com uma distribuição geográfica
ampla, mas fragmentada, o abutre-núbio habita a África Subsaariana,
desde o Senegal até o Quênia, e se estende por áreas da Península Arábica. Já
desapareceu de partes do Norte da África e encontra-se em declínio em várias
regiões onde antes era comum.
Prefere áreas abertas, semiáridas ou
áridas, como savanas secas, desertos e planícies espinhosas, evitando zonas
densamente arborizadas. Nidifica em árvores como acácias e Balanites, podendo
ser encontrado do nível do mar até altitudes superiores a 4.000 metros.
Comportamento alimentar
O abutre-real é um necrófago
por excelência. Alimenta-se principalmente de carcaças de grandes mamíferos,
embora também consuma pequenos animais mortos e, ocasionalmente, possa predar
filhotes de aves ou animais debilitados. Sua visão aguçada permite localizar a carniça
antes de outras espécies.
Dotado de agressividade marcante,
impõe-se sobre os demais abutres ao se alimentar, o que lhe confere prioridade
nas refeições. Curiosamente, prefere partes resistentes da carcaça, como
cartilagens, tendões e pele — componentes que muitos outros abutres evitam. Um
único indivíduo pode ingerir até 1,5 kg de alimento em uma única refeição.
Reprodução e cuidado parental
O ciclo reprodutivo do abutre-real é
lento e exige maturidade tardia — geralmente apenas a partir dos cinco ou seis
anos. Nidifica isoladamente ou em colônias dispersas, com ninhos grandes
construídos no topo de árvores, compostos por gravetos e folhas. A ninhada
contém um ou dois ovos, incubados por ambos os pais durante cerca de 56 dias.
Os filhotes permanecem no ninho por
quatro a cinco meses, com cuidados intensivos dos progenitores, que defendem o
ninho e regurgitam o alimento armazenado no papo. A dependência pode durar até
um ano, razão pela qual muitos casais só se reproduzem a cada dois anos.
Ameaças à sobrevivência
Apesar de sua adaptabilidade, o abutre-real
enfrenta um conjunto de ameaças que compromete sua continuidade. O envenenamento
— intencional ou acidental — é o maior risco. Frequentemente, abutres ingerem carcaças
contaminadas por pesticidas ou venenos usados contra
predadores de gado. Casos com dezenas de indivíduos mortos em uma única
ocorrência são recorrentes.
Outras ameaças incluem a eletrocussão
em linhas de transmissão, colisões com estruturas humanas, perda de habitat e
perturbações nos locais de nidificação. A redução de rebanhos bovinos no Sahel
— substituídos por ovelhas — também afeta a disponibilidade de grandes
carcaças.
Estima-se que restem cerca de 9.000
indivíduos na natureza. Em 2015, a União Internacional para Conservação da
Natureza (IUCN) classificou a espécie como “Em Perigo”, refletindo seu declínio
populacional contínuo.
Iniciativas de conservação
ONGs e centros de pesquisa têm
desempenhado papel central na proteção do abutre-real. O Peregrine Fund, por exemplo, atua desde
os anos 1990 no monitoramento da espécie por meio de radiotransmissores,
mapeando padrões de movimento e áreas de risco. Além disso, promove educação
ambiental e capacitação de biólogos locais.
No Quênia, o programa Mentor Maasai forma jovens líderes
comunitários para atuar na proteção da fauna silvestre. Cercados antipredadores
foram instalados em bomas (cercados de gado) para prevenir ataques e reduzir o
uso de venenos. Essas ações integram conservação, tradição e desenvolvimento
comunitário, com resultados promissores.
O abutre-real simboliza o elo entre
a natureza selvagem e o equilíbrio dos ecossistemas. Ao eliminar carcaças,
evita a proliferação de doenças e contribui para a limpeza ambiental. Sua
morfologia e comportamento assertivo o tornam um dos protagonistas mais importantes
da savana africana.
Contudo, a sobrevivência da espécie
depende da redução dos conflitos com atividades humanas e do fortalecimento das
ações de conservação. O reconhecimento do seu valor ecológico é um passo essencial
para garantir a sobrevivência da espécie.
Fontes: Inaturalist, Monaco Nature Encyclopedia, Birds of World, Jungle Dragon, Rwanda Birding, Safaris, Peregrine Fund,
Fotos: Abutre real_by Stuart Webb e segunda foto: Abutre-real_by Ezra Hadad e terceira foto:Abutre Real_ Kruger Park e quarta foto: Abutre-real_by Munir Virani