O gato-de-Iriomote, conhecido cientificamente como Prionailurus iriomotensis, também aparece na literatura como Prionailurus bengalensis iriomotensis — considerado por alguns pesquisadores uma subespécie do gato-leopardo (Prionailurus bengalensis) — e, em classificações mais controversas, como pertencente a um gênero separado: Mayailurus iriomotensis. Trata-se de uma das espécies mais ameaçadas do planeta, endêmica da pequena ilha de Iriomote, no Japão. Desde 2008, está classificado como “Criticamente em Perigo” (CR) na Lista Vermelha da IUCN, com uma população estimada entre 100 e 110 indivíduos. A espécie também está listada no Apêndice II da Convenção CITES.
Morfologia e identificação
Fisicamente, o gato-de-Iriomote
se assemelha a um gato doméstico de corpo alongado, pernas curtas e musculosas,
e cauda espessa. Sua pelagem é marrom-escura, com manchas que se fundem em
faixas, especialmente ao redor do pescoço e das pernas. Os olhos têm coloração
âmbar claro, e a parte de trás das orelhas apresenta uma mancha branca —
característica marcante dos adultos. O crânio é mais estreito e alongado do que
o dos gatos domésticos. Os machos atingem até 60 cm de comprimento e pesam até
5 kg, enquanto as fêmeas são menores. Sua estrutura física robusta contrasta
com um poder de salto limitado.
Distribuição e habitat
A espécie está restrita à ilha de
Iriomote, com 289 km², situada ao sul do arquipélago japonês de Okinawa.
Trata-se do menor território ocupado por qualquer espécie de felino selvagem.
O gato-de-Iriomote prefere altitudes inferiores a 200 metros, onde
predominam florestas subtropicais perenes, pântanos, manguezais e cursos
d’água. Sua área de vida varia entre 1,4 e 7 km², sendo que a sobreposição
entre territórios de machos e fêmeas é comum.
Apesar da significativa proteção do
território — cerca de 77% da ilha é terra florestal pública — os habitats
preferenciais da espécie coincidem com zonas de uso humano, o que aumenta os
conflitos entre a fauna e as atividades antrópicas.
Ecologia e comportamento
De hábitos noturnos e crepusculares,
esse felino é essencialmente terrestre, mas também escala árvores, nada com
habilidade e pode caçar dentro d’água. Leva uma vida solitária fora da estação
reprodutiva. A dieta é extremamente diversificada, incluindo roedores,
morcegos, aves, répteis, anfíbios, peixes e crustáceos. Essa variedade
alimentar é explicada pela ausência de competidores naturais na ilha. Ao
contrário de outros felinos, o gato-de-Iriomote não mata imediatamente
suas presas, preferindo segurá-las até que parem de se mover.
A reprodução ocorre principalmente
entre dezembro e março. Após um período de gestação de cerca de dois meses,
nascem de um a quatro filhotes. A independência ocorre entre os 10 e 12 meses.
Sua longevidade varia de sete a nove anos, podendo ser reduzida a dois ou cinco
anos na natureza devido a impactos humanos.
Impactos do turismo
O turismo é hoje uma das
principais ameaças à espécie. A ilha de Iriomote recebeu, antes da pandemia,
cerca de 300.000 visitantes por ano. Mesmo após a crise sanitária, esse número
se manteve alto: em 2022, foram registrados aproximadamente 330.000 turistas. O
aumento da circulação de pessoas e veículos agravou os atropelamentos — uma das
principais causas de morte da espécie. Entre 1978 e abril de 2022, ocorreram
101 incidentes envolvendo veículos, com 91 fatalidades. O recorde anual foi de
nove atropelamentos em 2018.
Em resposta, o governo local e o
Ministério do Meio Ambiente aprovaram em 2023 uma política de restrição de
visitantes, limitando o número a 1.200 por dia, ou 33.000 por ano. Embora a
medida tenha como foco geral a proteção ambiental da ilha, espera-se que
beneficie diretamente o habitat do gato-de-Iriomote.
Além do turismo desordenado, a espécie enfrenta a expansão agrícola e urbana, construção de infraestrutura e, especialmente, os riscos associados à presença de gatos domésticos e vadios. Estes últimos competem por alimento, transmitem doenças como o vírus da imunodeficiência felina (FIV) e provocam hibridização genética. Invasores como o sapo-cururu, altamente tóxico, também representam uma ameaça.
Iniciativas de conservação
Diversas ações coordenadas têm sido
implementadas. O gato-de-Iriomote foi designado Monumento Natural
Nacional e recebeu status especial de proteção por lei em 1994. Partes de seu
habitat foram incorporadas ao Parque Nacional Iriomote-Ishigaki e à Reserva
Ecológica da Ilha. Em 1995, foi fundado o Iriomote
Wildlife Conservation Center (IWCC), que lidera pesquisas com apoio de
universidades, conduz estudos por radiotelemetria, coleta dados de avistamentos
e realiza ações educativas.
Foram construídas 123 passagens
subterrâneas, faixas sonoras e placas móveis com base nos pontos de maior
incidência de atropelamentos. A prefeitura de Okinawa, em parceria com o
Ministério do Meio Ambiente, coordena o projeto Eco-Estradas, responsável pela
adaptação das vias para a travessia segura de animais selvagens.
No combate à poluição genética, a
cidade de Taketomi aprovou uma portaria de controle de gatos domésticos,
exigindo registro, esterilização, vacinação e limitação do número de animais
por domicílio. Gatos vadios foram removidos da ilha e entregues a adotantes
fora da região.
Organizações sem fins lucrativos desempenham papel essencial na conservação do gato-de-Iriomote. O Japan Tiger and Elephant Fund (JTEF), por exemplo, desenvolve campanhas de conscientização, promove monitoramento de áreas críticas e atua em parceria com autoridades locais para reduzir os impactos humanos sobre a espécie. A JTEF também colabora com pesquisadores na elaboração de políticas públicas voltadas à preservação de espécies ameaçadas no Japão.
Voluntários locais, instituições de
pesquisa e ONGs também contribuem em atividades como remoção de vegetação nas
margens de estradas, para melhorar a visibilidade dos animais, e realização de
visitas educativas a escolas, fortalecendo a consciência ambiental entre os
moradores e turistas.
O gato-de-Iriomote é um
símbolo vivo da biodiversidade japonesa e um indicador da saúde ecológica da
ilha. Seu status de “Criticamente em Perigo” reflete não apenas sua
vulnerabilidade natural, mas os impactos cumulativos da atividade humana,
especialmente o turismo em larga escala. Os esforços integrados entre
governo, ONGs, centros de pesquisa e comunidade local demonstram que sua
preservação é possível, desde que haja vigilância contínua, controle
populacional de gatos domésticos, regulação do turismo e valorização da
coexistência sustentável entre humanos e fauna silvestre.
Fotos: Gato-de-Iriomote_ Ministério do Meio Ambiente do Japão e segunda foto: de Kyodo News_Getty Images e terceira foto: de IWCC e quarta foto: by Susumu Murata