A nova era da conservação das girafas: IUCN reconhece quatro espécies distintas e sete subespécies




Em 21 de agosto de 2025, um anúncio histórico da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) reformulou a maneira como a ciência compreende o mamífero terrestre mais alto do planeta. Após mais de dois séculos sendo tratadas como uma única espécie, as girafas passam a ser oficialmente reconhecidas como quatro espécies distintas, divididas em sete subespécies. Essa reclassificação, resultado de uma revisão conduzida pela Força-Tarefa Taxonômica do Grupo de Especialistas em Girafas e Ocapis (GOSG) da Comissão de Sobrevivência de Espécies da IUCN, marca uma virada decisiva na conservação desses animais emblemáticos.

O debate taxonômico sobre as girafas não é novo. Por décadas, a comunidade científica discutiu se as diferenças genéticas e morfológicas observadas em populações distribuídas pela África eram suficientes para justificar a separação em espécies distintas. Historicamente, considerava-se que havia apenas uma espécie, Giraffa camelopardalis, dividida em nove subespécies. No entanto, o acúmulo de evidências científicas — análises de DNA nuclear e mitocondrial, estudos morfológicos sobre crânios e ossos, além de dados biogeográficos que levaram em conta barreiras naturais como rios e vales — apontava para uma diversidade mais profunda.

Essa diversidade foi confirmada agora pela IUCN, que reconhece quatro espécies plenas e sete subespécies:  

  •      Girafa do norte ( Giraffa camelopardalis )
    •      Girafa da África Ocidental (G. c. peralta)
    •      Girafa do Cordofão (G. c. antiquorum )
    •      Girafa núbia (G. c. camelopardalis)
  •      Girafa reticulada (Giraffa reticulata)
  •      Girafa Masai (Girafa tippelskirchi)
    •      Girafa Masai (G. t. tippelskirchi )
    •      Girafa de Luangwa/Thornicroft (G. t. thornicrofti )
  •      Girafa do Sul (Girafa girafa)
    •      Girafa sul-africana (G. g. giraffa)
    •      Girafa angolana (G. g. angolensis)

 As estimativas de população para essas quatro espécies são: Girafa do Norte: 7.037 exemplares; Girafa reticulada: 20.901; Girafa Masai: 43.926 e Girafa do Sul: 68.837.

O impacto dessa reclassificação vai muito além da nomenclatura. Classificar corretamente as espécies é essencial para definir políticas de conservação adequadas, estabelecer prioridades em programas de manejo e compreender as ameaças enfrentadas por cada população. As diferenças são significativas: enquanto a girafa-do-norte vive um cenário crítico, com populações severamente reduzidas por conflitos e perda de habitat, a girafa-do-sul mostra números em recuperação, resultado de programas de conservação eficazes em países da África Austral. Ao separar as espécies, os riscos deixam de ser diluídos em estatísticas globais e passam a refletir a realidade de cada grupo.

Esse avanço científico foi possível graças à colaboração entre instituições internacionais. A Giraffe Conservation Foundation (GCF), com sede na Namíbia, desempenhou papel central ao longo de mais de uma década de pesquisas em campo, incluindo a coleta de amostras em regiões de difícil acesso, frequentemente marcadas por instabilidade política. O Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Clima Senckenberg (SBiK-F), na Alemanha, liderou análises genéticas comparativas que mostraram diferenças entre as linhagens de girafas tão marcantes quanto as que separam ursos-pardos de ursos-polares. A integração desses estudos ao trabalho do GOSG permitiu que a IUCN estabelecesse uma nova referência global.

Para os especialistas envolvidos, a decisão fortalece os mecanismos de proteção. Ao ser aplicada nas próximas atualizações da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN, a nova taxonomia permitirá avaliar cada espécie com precisão, estabelecendo categorias de ameaça diferenciadas. Isso deve influenciar tanto políticas nacionais de proteção quanto acordos internacionais que buscam deter o declínio das populações. A clareza taxonômica também aumenta a responsabilidade das nações africanas em proteger a diversidade de girafas presentes em seus territórios.

Outro efeito imediato é a possibilidade de direcionar melhor os esforços de ONGs, governos e comunidades locais. A girafa-do-norte, por exemplo, pode demandar planos de ação urgentes para evitar a extinção de suas subespécies mais ameaçadas, enquanto a girafa-do-sul pode servir de modelo de conservação bem-sucedida, com populações crescendo graças a programas de monitoramento e manejo integrados. Já a girafa-reticulada e a girafa-masai, concentradas em regiões do leste da África, exigem estratégias adaptadas às pressões de expansão agrícola, fragmentação de habitats e mudanças climáticas.

A decisão chega em um momento estratégico: menos de dois meses antes do Congresso Mundial de Conservação da IUCN, a ser realizado em Abu Dhabi, que reunirá governos, comunidades indígenas, organizações da sociedade civil e setor privado. Ao incluir as girafas em sua pauta de debates, o Congresso poderá alinhar compromissos internacionais que fortaleçam a proteção dessas espécies. A mensagem é clara: conservar as girafas não significa apenas preservar um símbolo da savana africana, mas assegurar a sobrevivência de linhagens evolutivas únicas que caminham para a extinção se não forem tratadas com urgência.

O reconhecimento oficial das quatro espécies de girafas e suas sete subespécies demonstra como a ciência da conservação está em constante evolução. Ao combinar genética, morfologia e biogeografia, o trabalho liderado pela IUCN e por parceiros globais fornece não apenas um retrato mais preciso da diversidade das girafas, mas também um chamado à ação. Agora, resta transformar a clareza científica em políticas efetivas, garantindo que essas espécies icônicas continuem a habitar os ecossistemas africanos nas próximas gerações.

Fontes: Science, IUCN, Giraffe Conservation Foundation, Discover Magazine, IFL Science, Enviro News Nigeria, The New Indian Express

Crédito das imagens: Primeira imagem: Giraffe Conservation Fund e segunda imagem: IFL Science.