À beira da extinção: O gato selvagem escocês e a luta por sua sobrevivência


O gato selvagem escocês (Felis silvestris silvestris ou Felis silvestris grampia), também conhecido como "tigre das Terras Altas", é o último felino selvagem nativo da Grã-Bretanha e um dos mamíferos mais ameaçados do Reino Unido. Antigamente amplamente distribuído por toda a ilha britânica, hoje sobrevive apenas em pequenos bolsões no norte e leste da Escócia, em localidades como Cairngorms, Aberdeenshire, Angus Glens, Black Isle e Ardnamurchan.

Características morfológicas e comportamentais

O gato selvagem escocês é frequentemente confundido com gatos domésticos malhados (Felis catus), mas distingue-se por diversas características morfológicas. Os machos atingem até 7 kg e 63 cm de comprimento (excluindo a cauda), enquanto as fêmeas são menores, com peso médio de 4 kg. Sua pelagem densa apresenta listras pretas espessas sobre fundo marrom-acinzentado, com cauda espessa, cilíndrica, anelada e termina de forma abrupta, parecendo quase “cortada”, e costuma apresentar uma faixa preta bem marcada nesse final.

 Diferente do gato doméstico, possui patas traseiras listradas, bochechas marcadas, ausência de manchas e uma estrutura corporal mais robusta, com pernas longas, crânio largo e trato digestivo mais curto.

Em termos comportamentais, são solitários, evasivos e noturnos. Habitam florestas mistas e margens de riachos, preferindo áreas com alta densidade de presas como coelhos, ratazanas e camundongos. Evitam regiões densamente povoadas, plantações de coníferas e áreas com neve profunda. Seus hábitos incluem caçadas furtivas e enterro de sobras alimentares para consumo posterior.

Ameaças à sobrevivência

A espécie sofre um declínio drástico há mais de um século. Inicialmente, a perseguição humana e a destruição de habitats naturais foram os principais fatores. Mais recentemente, o cruzamento com gatos domésticos soltos ao ar livre agravou sua situação, resultando em hibridização genética massiva. Estudos genéticos indicam que praticamente todos os indivíduos selvagens remanescentes possuem algum grau de miscigenação com gatos domésticos, o que compromete a integridade genética da espécie. Além disso, doenças infecciosas transmitidas por felinos domésticos e atropelamentos em rodovias representam ameaças adicionais.

A situação chegou a tal ponto que a espécie foi declarada funcionalmente extinta na natureza. Em 2018, estimava-se que menos de 35 indivíduos geneticamente puros ainda existissem. Outros dados apontam que entre 20 e 200 indivíduos sobrevivem em estado selvagem, todos com alto grau de hibridização. Sem uma ação coordenada e urgente, o "tigre das Terras Altas" poderia desaparecer da Grã-Bretanha em poucos anos.

Iniciativas de conservação e programas de reintrodução

Diante da ameaça iminente de extinção, diversas iniciativas foram organizadas para preservar e restaurar a população do gato selvagem escocês. O principal programa em curso é o Saving Wildcats, uma parceria entre o Royal Zoological Society of Scotland, NatureScot e outros parceiros, com financiamento da União Europeia e do governo escocês. Este projeto visa restaurar populações viáveis da espécie por meio da criação em cativeiro e reintrodução controlada na natureza.

O centro de reprodução e conservação do Saving Wildcats, situado no Highland Wildlife Park, possui 16 recintos de reprodução e 20 de pré-soltura, todos projetados para simular o habitat natural e promover comportamentos adequados. Desde 2022, 35 filhotes nasceram nessas instalações. Em 2023, foram reintroduzidos 19 indivíduos na natureza, dos quais 16 continuam monitorados. Em 2024, novas solturas foram realizadas, e os primeiros nascimentos em ambiente natural foram confirmados, sinalizando o sucesso do programa. O plano prevê a soltura de 20 gatos por ano até 2026, com o objetivo de estabelecer uma população autossustentável nas Terras Altas.

Outras iniciativas e ações complementares

O Scottish Wildcat Action Plan e o Breed and Release Programme também integram os esforços de conservação, promovendo a identificação e criação de indivíduos geneticamente puros para reintrodução. Participam dessas ações instituições como a Reserva de Alladale, o Zoológico de Chester, o Parque de Vida Selvagem de Highland e o Centro de Campo Aigas.

Além disso, campanhas educativas promovem a valorização cultural do gato selvagem escocês, destacando seu papel na heráldica dos clãs escoceses e sua importância ecológica como controlador de pequenos mamíferos. Incentiva-se a castração e microchipagem de gatos domésticos para evitar novas hibridações.

Casos emblemáticos como o da floresta de Clashindarroch, ameaçada por projetos de energia eólica da empresa sueca Vattenfall, geraram mobilização social com mais de 800 mil assinaturas exigindo a preservação do habitat considerado vital para a sobrevivência da espécie.

Importância ecológica e cultural

Embora difícil de avistar na natureza, o gato selvagem escocês exerce um papel ecológico comparável ao da raposa vermelha, contribuindo para o controle de populações de pequenos mamíferos. Sua presença saudável pode indicar o bom estado de conservação dos ecossistemas florestais escoceses. Além disso, representa um símbolo de resistência e identidade cultural das Terras Altas, sendo frequentemente chamado de “coração selvagem da Escócia”.

Apesar de não ser um atrativo direto para o ecoturismo, sua conservação desperta grande interesse público. A campanha do Royal Mail de 2010, com selos comemorativos de espécies ameaçadas, incluiu o gato selvagem escocês como um dos ícones da biodiversidade britânica.

A sobrevivência do gato selvagem escocês depende de ações integradas, sustentadas por rigor científico, envolvimento comunitário e forte compromisso político. A reintrodução na natureza, embora promissora, é apenas uma etapa de um esforço mais amplo de restauração ecológica. É fundamental garantir a proteção dos habitats remanescentes, controlar os riscos de hibridização e consolidar centros de reprodução especializados.

Fontes: Meus animais, Capel Manor Gardens, Howtorewild, Wild Cat Family, Owlcation, Quora, Highland wildlife park, Mongabay, Saving Wildcats (01), Saving Wildcats (02), Discover Wildlife, Mammal Society, Aigas 

Fotos: Gato selvagem escocês_by Linda More e segunda foto: by Charlie Marshall e terceira foto: by Peter Trimming