A chita-do-nordeste-africano,
também conhecida como guepardo-do-Sudão ou guepardo-do-Chifre-da-África,
é uma das subespécies do guepardo africano, encontrada nas regiões áridas e
semiáridas da Etiópia, Sudão, Sudão do Sul e Somalilândia. Distingue-se por sua
pelagem dourada, marcada por manchas negras regulares, e por sua adaptação a
ambientes abertos de savana e deserto. Considerada uma das subespécies mais
raras do gênero Acinonyx, representa um componente valioso da
biodiversidade do nordeste do continente, onde exerce importante papel
ecológico como predador de topo.
Biologia e distribuição
A subespécie Acinonyx jubatus
soemmeringii é reconhecida geneticamente como distinta das outras
subespécies de guepardo africano, embora com poucas diferenças morfológicas
evidentes. Historicamente, sua área de ocorrência era mais ampla, mas hoje está
severamente fragmentada. Os estudos genéticos recentes indicam que populações
livres estimadas dessa subespécie não ultrapassam algumas centenas de
indivíduos maduros. Por exemplo, um estudo da Cheetah
Conservation Fund (CCF) aponta para a faixa entre 260 e 590 indivíduos
maduros para as populações restantes. Ecologicamente, a chita é adaptada a
ambientes de savana aberta ou semi‐árida, caçando presas de médio porte e
evitando competidores maiores. A fragmentação do habitat, a queda nas presas e
os conflitos com pecuaristas agravam seu isolamento.
Principais ameaças
A perda de habitat e de presas é uma
de suas principais ameaças. Por exemplo, na região do Afar, na Etiópia, há aumento
da agricultura e da exploração madeireira que elevou em mais de 700% a extensão
de terras cultivadas entre 1972 e 2007, enquanto áreas de savana e matas
diminuíram drasticamente. A redução de habitats naturais e de presas selvagens
compromete a viabilidade desse carnívoro altamente especializado.
Problemas com humanos, como os
conflitos entre comunidades locais e chitas-do-nordeste-africano
representam uma das principais causas diretas de mortalidade dessa subespécie.
Em áreas como as planícies áridas da Etiópia, da Somalilândia e do Sudão do
Sul, a expansão de rebanhos e a escassez de presas silvestres levam as
chitas a se aproximarem de áreas de pastagem, atacando cabras e ovelhas, o que
desperta a retaliação de pastores. A ausência de políticas compensatórias
eficazes e de programas de manejo de conflitos agrava a situação, resultando em
abates sistemáticos de indivíduos adultos e no envenenamento de carcaças usadas
como iscas.
Pesquisas de campo conduzidas pela Cheetah
Conservation Fund (CCF) e parceiros regionais demonstram que a maioria dos
ataques ocorre em regiões fronteiriças desprovidas de monitoramento ambiental e
onde os mecanismos tradicionais de resolução de disputas são frágeis. A
percepção de que o predador ameaça diretamente a subsistência das famílias leva
à sua eliminação, reduzindo ainda mais as já pequenas populações locais.
Para mitigar esses conflitos, a CCF
e autoridades ambientais têm implementado programas de educação ambiental e
sensibilização comunitária. Oficinas com pastores e líderes locais buscam
ensinar práticas preventivas, como confinamento noturno de rebanhos, uso de
cercas protetoras e presença de cães de guarda treinados. Paralelamente,
projetos de “ganho alternativo” — como a apicultura e o artesanato sustentável
— oferecem fontes adicionais de renda às comunidades, reduzindo sua dependência
do pastoreio intensivo.
Essas medidas, embora incipientes,
têm mostrado resultados positivos em áreas-piloto da Somalilândia e do leste da
Etiópia, onde a percepção da chita começou a mudar de “ameaça” para “patrimônio
natural”. A continuidade e expansão dessas ações, com apoio internacional e
financiamento estável, são fundamentais para consolidar uma convivência
duradoura entre humanos e chitas e garantir o futuro da subespécie.
Comércio ilegal de animais vivos
Uma das mais preocupantes ameaças é
o tráfico de crias de chita para o mercado de animais de estimação
exóticos, que ocorre especialmente a partir da Somalilândia e regiões vizinhas
rumo à Península Arábica. Estudos destacam que entre 2010 e 2019 mais de 2.000
animais vivos foram anunciados online, muitos provenientes da região do Chifre
de África. A CCF realizou análise genética de 55 chitas confiscadas na
Somalilândia entre 2016–2019 e verificou que todas pertenciam à subespécie
soemmeringii, evidenciando que essa população está sendo sistematicamente
visada. Em razão desse nível de exploração e da população já reduzida, a
reclassificação dessa subespécie para “Em Perigo (EN)” pela International Union
for Conservation of Nature (IUCN) foi justificada.
Ações da ONG Cheetah Conservation Fund (CCF)
A CCF tem desempenhado importante papel
na conservação da chita-do-nordeste-africano. Em colaboração com
autoridades da Somalilândia e da Etiópia, a organização conduziu estudos
genéticos e de origem das chitas traficadas, bem como lançou centros de resgate
para crias confiscadas. Por exemplo, o Centro
de Resgate e Conservação em Geed-Deeble (Somalilândia) abriga dezenas de
chitas resgatadas e opera com protocolos de reabilitação, e educação
comunitária. Além disso, a CCF tem promovido treinamentos, sensibilização local
e cooperação transnacional para rastrear a origem das chitas traficadas e
apoiar a reclassificação da subespécie.
Ações de conservação do governo e autoridades locais
Nos estados da Somalilândia e
regiões da Etiópia, os ministérios de meio ambiente e vida selvagem têm se
engajado na parceria com a CCF e outras entidades para fortalecer a
fiscalização de tráfico, proteger áreas de ocorrência e envolver comunidades
pastoris. A cooperação internacional também se intensificou: esforços de
capacitação para 23 agentes de 8 países da região do Chifre de África visaram
formular planos de gestão da chita e controlar o comércio ilegal.
Projetos de monitoramento e
genética forense
Uma
frente importante é o uso de técnicas de genética e de isótopos estáveis para
identificar a origem de chitas confiscadas e fornecer evidência à ação policial
e ao sistema de justiça. Por exemplo, estudo da CCF demonstrou que os animais
traficados eram da subespécie soemmeringii e devolveu pistas geográficas de
origem. Essas ferramentas são essenciais para dar suporte às iniciativas de
rastreamento, aplicação da lei e formulação de políticas. A participação
conjunta de ONGs, governos e instituições acadêmicas fortalece esta abordagem.
Desafios e perspectivas para o
futuro
Apesar
dos esforços, persistem desafios graves. A escassez de dados confiáveis sobre
as populações selvagens remanescentes da subespécie, devido à inacessibilidade
de muitas áreas ou conflitos armados, dificulta a definição de metas de
conservação. Ademais, o comércio ilegal, alimentado pela demanda internacional,
continua ativo e muitas vezes difícil de apreender. A cooperação internacional
nem sempre se mostra eficaz ou rápida, e lacunas de fiscalização persistem.
A integração das comunidades locais, pastores e residentes rurais, é outro
ponto que necessita maior ênfase, pois sua participação e aceitação do
carnívoro são essenciais para reduzir conflitos e favorecer a conservação. Além
disso, a conservação da chita-do-nordeste-africano exige financiamento
sustentável, monitoramento de longo prazo, ações de sensibilização ampla e
fortalecimento institucional.
A chita-do-nordeste-africano
representa uma das populações mais vulneráveis do gênero Acinonyx. Sua situação
revela a complexa interseção entre biologia da conservação, comércio ilegal de
animais selvagens, políticas de vida selvagem e justiça ambiental. O
envolvimento de ONGs como a CCF, aliado à ação governamental e à ciência
aplicada, mostra caminhos promissores: desde resgate de crias traficadas até
emprego de genética forense e cooperação internacional regional. Contudo, o
sucesso dependerá da manutenção desse engajamento e do reconhecimento de que a
conservação eficaz passa por fortalecer comunidades locais e enfrentar o
tráfico de animais com vigor. A subespécie soemmeringii exige agora
urgência e coordenação, pois são poucos os atores envolvidos em sua recuperação,
e pouco tempo resta para impedir seu desaparecimento.
Fontes: Cheetah Conservation Fund (1), GK Today, Cheetah Conservation Initiative, Dublin Zoo, Cheetah Conservation Fund (2), Cheetah Conservation Fund (3), Global Initiative-Risk Bulletin, Conservation Science and Practice, Undark Magazine, Animals Streets, Biodivesity4all
Fotos: Chita do Nordeste da África_AWWP, segunda foto:_Plzen Zoo, terceira foto:_Tier Park Berlin e quarta foto:_Zooinstitutes_2.jpg
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Este artigo é uma atualização de outro texto do Poliseres sobre a Chita do Nordeste Africano publicado em 11 de outubro de 2022 que pode ser acessado no link: https://www.poliseres.com.br/2022/10/extincoes-locais-colocam-em-risco-chita.html#:~:text=Neste%202%20de%20novembro%20de%202025%2C%20o,desejam%20conhecer%20melhor%20a%20vida%20animal%20e



