O leão-asiático, também conhecido como leão-indiano (Panthera leo persicus), é uma das subespécies mais raras do mundo. Antigamente distribuído do Oriente Médio ao norte da Índia, hoje sobrevive apenas no estado de Gujarat, no oeste do país. Após ter chegado à beira da extinção no início do século XX, quando restavam menos de 50 indivíduos, esse grande felino tornou-se símbolo de uma das histórias de conservação mais bem-sucedidas do planeta.
Os resultados do 16º Censo de Leões
Asiáticos, divulgados em maio de 2025, confirmam essa trajetória positiva: a
população atingiu 891 indivíduos, um aumento expressivo de 32% em relação a
2020, quando haviam sido registrados 674 leões. Esse crescimento coloca os
leões de Gujarat entre as populações de grandes felinos que mais crescem no
mundo. O levantamento abrangeu 35 mil km² em 11 distritos, incluindo Junagadh,
Amreli, Bhavnagar, Rajkot, Porbandar e Gir Somnath, demonstrando a
impressionante expansão territorial da espécie.
Expansão do território e
diversidade populacional
Pela primeira vez, o censo revelou
que a maioria dos leões — 497 indivíduos — vive agora em populações satélites
fora da floresta de Gir, enquanto 394 permanecem dentro da área protegida. Essa
dispersão mostra a adaptação dos leões a diferentes paisagens: além das
florestas secas, eles passaram a ocupar terras agrícolas, zonas costeiras e até
áreas próximas de cidades. O Santuário de Vida Selvagem de Barda, por exemplo,
registrou 17 leões residentes, tornando-se um importante refúgio complementar e
sendo apresentado pelo governo como um “segundo lar” da espécie.
A composição demográfica indica um
equilíbrio saudável: 196 machos adultos, 330 fêmeas adultas e 365 jovens,
assegurando uma taxa de reprodução robusta. Destes, cerca de 45% vivem em áreas
não florestais, convivendo cada vez mais com comunidades humanas. O distrito
costeiro de Bhavnagar, que abriga 212 leões, tornou-se símbolo dessa expansão,
onde os felinos encontram abrigo entre arbustos espinhosos e caçam à noite em
paisagens agropecuárias.
Tecnologia e precisão na contagem
O censo de 2025 utilizou métodos
modernos para alcançar alta precisão. Foram estabelecidas 735 regiões de
amostragem e mobilizados mais de 3 mil participantes, entre agentes florestais
e voluntários. As equipes realizaram dois períodos de observação de 24 horas
entre os dias 11 e 13 de maio, empregando câmeras digitais, armadilhas
fotográficas, coleiras com GPS, sensores térmicos e mapeamento SIG. Os dados
foram cruzados entre regiões vizinhas para evitar duplicações.
Embora especialistas ressaltem que
contagens diretas podem não ser o método mais científico, concordam que os
resultados refletem tendências reais. O uso de tecnologias complementares e a
análise de padrões de bigodes — semelhantes às impressões digitais humanas —
têm aperfeiçoado a identificação individual e o monitoramento de longo prazo.
Políticas públicas e coexistência
O sucesso da conservação em Gujarat
está associado à integração entre governo e comunidades locais. O estado
mantém indenizações equivalentes ao valor de mercado para criadores que perdem
gado, o que reduz represálias e incentiva a tolerância aos leões.
Programas de conscientização, corredores ecológicos e o Projeto Leão, anunciado
em 2025 com investimento de 29,2 bilhões de rúpias, ampliaram a proteção e os
cuidados veterinários.
A coexistência, entretanto, tem
limites. Desde 2010, o território dos leões aumentou 75%, passando de 20 mil
para 35 mil km², mas apenas 1.800 km² estão sob áreas legalmente protegidas — e
somente 250 km² são exclusivos da espécie. A crescente presença em zonas
agrícolas e urbanas resulta em riscos de atropelamentos, quedas em poços
e eletrocussões, além de conflitos com humanos. Em junho de 2025, por
exemplo, um menino de cinco anos foi morto por um leão no distrito de Amreli,
reacendendo o debate sobre segurança e manejo populacional.
O dilema do sucesso: espaço e riscos
O aumento populacional é motivo de
orgulho, mas também de preocupação. A concentração de todos os leões asiáticos
em uma única região representa uma “bomba-relógio ecológica”, segundo
especialistas. A baixa diversidade genética e a dependência de um
único habitat tornam a espécie vulnerável a doenças, incêndios, secas e
inundações, como as que atingiram Saurashtra em 2015, matando oito leões. Em
2018, o surto do vírus da cinomose canina (CDV) matou ao menos 11 indivíduos,
lembrando que a recuperação numérica não significa imunidade.
Além disso, cerca de um quarto da
população vive fora do habitat principal, mais exposta a perigos de
infraestrutura e contatos com humanos. Essa expansão fora das reservas também
pressiona o ecossistema local e amplia a possibilidade de conflitos. Pesquisas
recentes apontam aumento anual de 10% nos relatos de ataques a animais
domésticos e 15% na mortalidade de rebanhos, o que exige novas estratégias
de convivência e manejo preventivo.
A controvérsia sobre um “segundo lar”
A criação de uma população
secundária fora de Gujarat é tema de debate há mais de uma década. Em 2013, a
Suprema Corte da Índia determinou a transferência de leões para o Parque
Nacional de Kuno, em Madhya Pradesh, a fim de estabelecer uma população geograficamente
isolada — medida que nunca foi implementada. O governo de Gujarat prefere
investir em Barda, a apenas 100 km de Gir, mas especialistas argumentam que a
área, com 200 km² e poucas presas, não garante isolamento suficiente para
prevenir riscos genéticos e ecológicos.
Enquanto o impasse persiste, os
leões continuam se expandindo dentro do mesmo estado. A permanência dessa
concentração contraria recomendações de longo prazo e aumenta o risco de que um
único evento — natural ou humano — possa afetar toda a espécie.
Perspectivas para o futuro
Apesar das preocupações, o caso dos leões-asiáticos
é um dos maiores êxitos de conservação do século XXI. Em apenas cem
anos, a espécie passou de quase extinta a uma população próxima de 900
indivíduos, apoiada por iniciativas governamentais, ONGs e comunidades
locais. O futuro, contudo, depende da capacidade da Índia de combinar
expansão populacional com diversidade geográfica, criando novos núcleos viáveis
e equilibrando a coexistência com as populações humanas.
O leão-asiático, símbolo de Gujarat
e orgulho nacional, demonstra que políticas ambientais bem planejadas e
participação social podem reverter até mesmo os cenários mais críticos.
Contudo, seu destino a longo prazo dependerá da disposição política em superar
fronteiras estaduais e reconhecer que a conservação de uma espécie tão
emblemática requer mais do que sucesso local — exige visão nacional e
cooperação regional.
Fonte: Deccan Herald, CNN Portugal, Big Cats India, Al Jazeera, The Pioneer, Times of India, Hans India, The Weather Channel, One Earth, Hindustan Times, The New Indian Express
Fotos: Leão Asiático_Big Cats India; segundo foto:_ARAMNESS; Terceira foto: _by ShivangiBendre, The Corbett Foundation ; quarta foto: ARAMNESS e quinta foto: _by ShivangiBendre, The Corbett Foundation
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Este artigo é uma atualização de outro sobre
o mesmo tema publicado em Poliseres em 21 de novembro de 2021 que pode ser
acessado no link: https://www.poliseres.com.br/2021/11/aumenta-populacao-do-leao-asiatico.html




