A importância da conservação
ex-situ na luta contra a extinção
Reinaldo Dias
Doutor em Ciências Sociais -UNICAMP
Especialista em Ciências
Ambientais-USF
http://lattes.cnpq.br/5937396816014363
reinaldias@gmail.com
Como citar:
Dias, R. (2025, maio 12) A importância da conservação ex-situ na luta contra a
extinção. Poliseres. DOI: 10.13140/RG.2.2.29462.87369
Ao se pensar em salvar
espécies ameaçadas, é comum imaginar florestas protegidas, parques nacionais e
comunidades indígenas guardiãs da biodiversidade. Essa é a chamada conservação
in-situ, ou seja, no próprio ambiente natural das espécies. No entanto, diante
da acelerada destruição de habitats, mudanças climáticas e pressões humanas,
surge a necessidade de estratégias complementares. Entre elas, destaca-se a
conservação ex-situ — a proteção e reprodução de espécies fora de seus habitats
naturais, em zoológicos, jardins botânicos, bancos genéticos, aquários e
centros especializados. Embora muitas vezes alvo de controvérsias, essa
abordagem tem se mostrado vital para evitar a extinção de animais e plantas que
não têm mais onde viver.
Refúgios artificiais em
um mundo em colapso
O mundo vive a chamada
“sexta extinção em massa”, com taxas de perda de biodiversidade centenas de
vezes maiores do que o padrão natural. Segundo a Plataforma Intergovernamental
sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), cerca de um milhão de
espécies estão ameaçadas de extinção. Diante dessa realidade alarmante, o papel
da conservação ex-situ ganha urgência. Trata-se de criar verdadeiras “arcas de
Noé” modernas, capazes de preservar espécies em condições controladas, enquanto
se busca restaurar seus ambientes ou encontrar alternativas viáveis para sua
reintrodução.
Diferente do que se pode
imaginar, a conservação ex-situ não se limita ao confinamento de animais em
cativeiro. Ela inclui programas sofisticados de reprodução assistida, cuidados
veterinários especializados, pesquisa genética e planos de manejo que articulam
ciência, tecnologia e cooperação internacional. Em muitos casos, representa a
única chance de sobrevivência de determinadas espécies.
O caso do
mico-leão-dourado: uma história de retorno
Um dos exemplos mais
emblemáticos do Brasil é o do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia).
Essa espécie endêmica da Mata Atlântica fluminense esteve à beira da extinção
nos anos 1970, com menos de 200 indivíduos conhecidos na natureza. A salvação
começou com a criação de um programa internacional de reprodução em cativeiro,
envolvendo zoológicos dos Estados Unidos e da Europa.
Com o apoio da Associação
Mico-Leão-Dourado e de instituições como o Zoológico de Washington e a Fundação
Boticário, os animais começaram a ser reproduzidos e reintroduzidos na
natureza. Paralelamente, houve um esforço para restaurar os fragmentos de Mata
Atlântica e conectá-los com corredores ecológicos. Hoje, a população de
micos-leões-dourados supera 2.500 indivíduos, uma vitória que não seria
possível sem a conservação ex-situ.
A sobrevivência graças à
conservação ex-situ
Apesar de seus méritos, a
conservação ex-situ enfrenta críticas. Muitos ambientalistas questionam o
bem-estar de animais em cativeiro e os riscos de dependência de estratégias que
não atacam as causas da degradação ambiental. Outros argumentam que a reprodução
em cativeiro pode criar populações “domesticadas”, com perda de características
adaptativas essenciais à sobrevivência na natureza.
Essas preocupações são
legítimas, mas não anulam o valor estratégico da conservação ex-situ. Ao
contrário, reforçam a necessidade de que ela seja parte de uma abordagem
integrada, que combine ciência, ética e ação política. O sucesso do
mico-leão-dourado mostra que cativeiro não significa condenação, quando há
compromisso com a reintrodução e com a restauração dos habitats originais.
Outro caso exemplar é o
do ferret de patas-negras (Mustela nigripes).Considerado extinto na natureza em 1987, o ferret de patas-negras — um pequeno
carnívoro nativo das pradarias da América do Norte — teve sua sobrevivência
garantida graças à conservação ex-situ. Um dos últimos indivíduos remanescentes
foi capturado e utilizado como base para um programa intensivo de reprodução em
cativeiro, conduzido pelo U.S. Fish and Wildlife Service em parceria com
zoológicos e centros de pesquisa. Após anos de reprodução bem-sucedida,
centenas de indivíduos foram reintroduzidos em áreas protegidas nos Estados
Unidos, como Montana, Dakota do Sul e Wyoming. Hoje, estima-se que mais de 300
animais vivam em liberdade, uma recuperação notável para uma espécie que havia
sido oficialmente declarada extinta.
Na Nova Zelândia, o caso
do kakapo (Strigops habroptilus), um papagaio noturno e não voador,
também mostra o papel vital da conservação ex-situ. Após quase desaparecer da
natureza, os últimos exemplares foram transferidos para ilhas livres de
predadores, onde passaram a ser monitorados e reproduzidos com auxílio de
tecnologias como inseminação artificial e vigilância genética. Em 2023, a
população ultrapassou 250 indivíduos, graças a um esforço liderado pelo
Departamento de Conservação da Nova Zelândia e ONGs parceiras.
Outro exemplo vem da
China, com o panda-gigante (Ailuropoda melanoleuca). Embora ainda
vulnerável, o panda deixou de ser considerado “ameaçado” pela União
Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) após décadas de programas
de reprodução em cativeiro, especialmente no Centro de Pesquisa de Chengdu. A
combinação de conservação ex-situ, proteção de florestas de bambu e
envolvimento das comunidades locais levou à recuperação da população, que hoje
ultrapassa 1.800 indivíduos.
Conservação ex-situ e
justiça ambiental
Mas a conservação ex-situ
também levanta questões éticas e políticas. Quem define quais espécies merecem
ser salvas? Onde e por quem são conduzidos os programas? A lógica dominante
ainda privilegia espécies carismáticas e grandes vertebrados, muitas vezes
ignorando animais menores, insetos ou fungos, igualmente vitais para o
equilíbrio dos ecossistemas.
Além disso, há riscos de
biopirataria e de apropriação do patrimônio genético por empresas ou países
ricos. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e o Protocolo de Nagoya
tentam regulamentar o acesso e o uso justo e equitativo desses recursos, mas a
governança global da biodiversidade ainda é desigual.
O futuro da conservação
ex-situ
Com os impactos
ambientais se intensificando, a conservação ex-situ deixará de ser apenas uma
estratégia de emergência para se tornar uma ferramenta permanente na luta pela
biodiversidade. Tecnologias como clonagem, reprodução assistida,
criopreservação de embriões e edição genética começam a ser debatidas como
alternativas para salvar espécies criticamente ameaçadas — ainda que envolvam
dilemas éticos complexos.
Um exemplo é o projeto de
clonagem do cavalo-de-Przewalski (Equus ferus przewalskii), espécie de
cavalo selvagem extinta na natureza em meados do século XX. Utilizando material
genético preservado por décadas, cientistas conseguiram gerar um potro saudável
em 2020, abrindo caminho para a revitalização genética da população.
A conservação ex-situ é
ferramenta indispensável da conservação. Quando articulada com programas de
conservação in-situ, educação ambiental e políticas públicas robustas, pode
devolver espécies à vida, recuperar ecossistemas e manter vivas as
possibilidades de futuro. Diante da crise ecológica global, é preciso superar
dicotomias entre natural e artificial, puro e contaminado, livre e cativo. A
natureza do Antropoceno já é híbrida, marcada pela presença humana em todos os
níveis.