O falso gavial (Tomistoma schlegelii): conservação de um crocodiliano raro e ameaçado


 O falso gavial (Tomistoma schlegelii), também conhecido como gavial-da-Malásia, gavial de Sunda ou tomistoma, é um dos mais enigmáticos crocodilianos da atualidade. Nativo de ambientes de água doce no Sudeste Asiático, esse réptil de aparência singular é frequentemente confundido com o gavial (Gavialis gangeticus), devido ao focinho fino e longo. Classificado como "Em Perigo" (EN) na Lista Vermelha da IUCN, estima-se que existam entre 2.400 e 10.000 indivíduos maduros na natureza. A perda de habitat, a caça e a fragmentação populacional estão entre os principais fatores que ameaçam sua sobrevivência.

Morfologia e características físicas

O falso gavial possui corpo aerodinâmico, coloração escura com manchas e faixas pretas e ventre claro. Seu focinho, extremamente estreito e comprido, é um dos mais delgados entre os crocodilianos, abrigando entre 76 e 84 dentes afiados, idealizados para capturar presas aquáticas. A espécie exibe dimorfismo sexual: os machos são maiores, podendo atingir 5 metros de comprimento e até 600 kg, enquanto as fêmeas geralmente não ultrapassam 4 metros. O crânio do tomistoma é proporcionalmente um dos maiores entre os crocodilianos, devido à extensão do focinho. Os juvenis apresentam manchas escuras nas laterais do corpo e mandíbulas, e os dígitos das patas são parcialmente palmados, auxiliando na locomoção aquática.

Distribuição geográfica e habitat

O falso gavial está distribuído em áreas fragmentadas do Sudeste Asiático, especialmente na Malásia Peninsular, Bornéu ocidental, Sumatra oriental, Java ocidental e Brunei. Populações já foram extintas localmente em Singapura, Vietnã e Tailândia. Os indivíduos ocorrem em baixas densidades e de forma isolada. Seus habitats incluem pântanos de turfa, florestas pantanosas de baixa altitude, rios de águas negras e lagos com vegetação densa. A espécie depende de áreas alagadas para forrageio e de zonas secas para nidificação e termorregulação. O Parque Nacional Tanjung Puting, em Kalimantan, abriga uma das maiores populações conhecidas.

Comportamento e ecologia

Os falsos gaviais são predadores de emboscada. Permanecem submersos em águas rasas com apenas os olhos e narinas expostos, aguardando a aproximação de presas. São capazes de permanecer submersos por até duas horas, reduzindo o metabolismo para evitar ameaças. Embora se pensasse que se alimentassem exclusivamente de peixes e vertebrados pequenos, estudos recentes revelaram uma dieta mais ampla, incluindo macacos-narigudos, veados, aves aquáticas, répteis e até porcos. A predação de gado também já foi registrada.

Reprodução

A reprodução ocorre durante as estações chuvosas, entre novembro e março. As fêmeas constroem ninhos com montes de areia e vegetação próximos a corpos d’água, onde depositam de 13 a 60 ovos grandes — os maiores entre os crocodilianos. O período de incubação varia de 90 a 100 dias, e os filhotes emergem sem receber cuidados parentais. A maturidade sexual é alcançada por volta dos 20 anos, quando os indivíduos atingem entre 2,5 e 3 metros. Na natureza, esses animais podem viver até 80 anos.

Ameaças e declínio populacional

A principal ameaça à sobrevivência do falso gavial é a destruição de seu habitat. A drenagem de áreas alagadas para agricultura, construção de barragens, especialmente o cultivo de dendezeiros, além da exploração madeireira e queimadas, provocaram a perda de até 40% de sua distribuição em Sumatra. A caça por pele e carne, além da coleta de ovos para consumo humano e medicina tradicional, agrava o cenário. A população, já escassa desde a década de 1940, enfrenta riscos de isolamento genético em função da fragmentação e da irregularidade na distribuição. Uma das maiores populações conhecidas se encontra no Parque Nacional Tanjung Puting, em Kalimantan.

Esforços de conservação

Desde 2000, o falso gavial tem sido alvo de medidas de proteção internacionais. Ele está incluído no Anexo I da CITES, o que proíbe o comércio internacional da espécie. A aplicação das leis de proteção, no entanto, ainda é fraca e ineficaz em grande parte da sua área de ocorrência. O Grupo de Especialistas em Crocodilos da IUCN criou a Força-Tarefa do Tomistoma (CSG-TTF), responsável por promover campanhas de arrecadação de fundos, estudos de campo e divulgação de prioridades de conservação.

Projetos como o monitoramento populacional em Sumatra e Kalimantan, financiados por ONGs e institutos de pesquisa regionais, têm permitido melhor compreensão da ecologia da espécie e das ameaças locais. Zoológicos de todo o mundo, como o Zoológico de Singapura e o Parque de Conservação da Fauna de Taman Safari, também participam de programas de reprodução em cativeiro, servindo como possíveis reservatórios genéticos para reintrodução futura.

O falso gavial é um dos crocodilianos mais singulares e ameaçados do planeta. Apesar de sua impressionante biologia e importância ecológica, continua a enfrentar sérios riscos de extinção. A conservação da espécie requer ações integradas de proteção de habitat, fortalecimento da legislação ambiental, educação comunitária e colaboração internacional entre governos, ONGs e instituições científicas.

Fontes: Biodiversity4all, Britannica, The Reptile Database, Crocodile Specialist Group/IUCN, Animal Diversity, Thai National Parks, Tomistoma Task Force of the IUCN SSC Crocodile Specialist Group, Zoological Society of London, IOPScience, Animalia.Bio, Gone Froggin, Smithsonian’s National Zoo, Korat. Zoo Thailand, Earth.com, Manimal World

Fotos: Gavial-da-Malásia_The Reptile Database e segunda foto: by_Junkyardsparkle e terceira foto: by Rafi Amar e quarta foto: by_Fritz Geller-Grimm