Desafios e iniciativas na conservação do bugio-ruivo


 O bugio-ruivo (Alouatta guariba clamitans), também conhecido como barbado ou guariba, é uma subespécie de primata pertencente à família Atelidae. Endêmico da Mata Atlântica, este primata ocupa áreas do sudeste brasileiro até a província de Misiones, na Argentina. Devido à fragmentação de seu habitat e a surtos epidêmicos, encontra-se classificado como “vulnerável” na lista de espécies ameaçadas.

Características biológicas

O bugio-ruivo apresenta dimorfismo sexual acentuado, com os machos exibindo pelagem ruiva vibrante e as fêmeas, coloração mais escura. Os indivíduos possuem peso corporal médio entre 5 e 12 kg, e alcançam a maturidade sexual entre três a cinco anos, com uma expectativa de vida de 15 a 20 anos. Sua cauda longa e preênsil, adaptada para a locomoção arbórea, e o osso hioide altamente desenvolvido, que permite vocalizações potentes, são características marcantes da espécie. Vivem em grupos de 5 a 11 indivíduos e são principalmente folívoros, complementando sua dieta com frutos, flores e brotos conforme a disponibilidade.

Distribuição geográfica e habitat

O bugio-ruivo é encontrado desde o Espírito Santo até o Rio Grande do Sul, estendendo-se ainda à província de Misiones, na Argentina. No Brasil, ocorre em florestas de terras baixas, submontanas e montanas, incluindo áreas de floresta ombrófila mista (Floresta com Araucária) e fragmentos florestais urbanos e periurbanos. Apesar da ampla distribuição, o habitat da espécie está severamente fragmentado, com vácuos de ocorrência mesmo em áreas florestais remanescentes.

Ameaças à sobrevivência

Diversas ameaças comprometem a sobrevivência do bugio-ruivo. A expansão agrícola e urbana, a caça, os atropelamentos e acidentes na rede elétrica são causas recorrentes de mortalidade. Estudos recentes da Região Metropolitana de São Paulo indicam que o bugio-ruivo é o primata mais afetado por eletrocussões, com elevada taxa de mortalidade. Além disso, o surto de febre amarela entre 2016 e 2020 dizimou populações inteiras, especialmente no sul do Brasil e na Argentina, onde a espécie foi classificada como "Criticamente em Perigo".

Embora já tenha sido considerado reservatório de protozoários transmissores de malária, pesquisas recentes demonstram que os bugios não são os principais reservatórios da doença. Pelo contrário, sua sensibilidade à febre amarela faz deles importantes sentinelas para o monitoramento de surtos da doença.

Preservação em áreas protegidas

A proteção do bugio-ruivo está diretamente associada à existência de unidades de conservação distribuídas em diversos estados do Brasil. A espécie é encontrada em áreas importantes como o Parque Estadual da Serra do Mar, em São Paulo; a Reserva Biológica de Sooretama, no Espírito Santo; o Parque Nacional do Caparaó, em Minas Gerais; e o Parque Estadual de Itapuã, no Rio Grande do Sul, entre muitas outras. Essas unidades, ao resguardar fragmentos de Mata Atlântica ainda preservados, desempenham um papel fundamental na manutenção dos habitats naturais da espécie e no suporte às populações remanescentes. No entanto, a efetividade dessas áreas depende de ações contínuas de gestão, fiscalização e conectividade entre os fragmentos florestais.

Reintrodução e recuperação de populações

Entre os projetos de conservação destaca-se a reintrodução do bugio-ruivo na Ilha de Santa Catarina, liderada pela ONG Instituto Espaço Silvestre em parceria com o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA). Extintos localmente há cerca de 260 anos devido à caça e ao desmatamento, os bugios foram reabilitados no Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetras), situado no Parque Estadual do Rio Vermelho. A partir de 2019, após um rigoroso processo de reabilitação e vacinação contra a febre amarela, os animais foram reintroduzidos em áreas de mata protegida na Ilha. A iniciativa visa não apenas restabelecer uma população autossustentável, mas também restaurar interações ecológicas perdidas e reforçar a biodiversidade local. Essa experiência bem-sucedida demonstra a importância de projetos de reintrodução como estratégia complementar à conservação in situ.

Educação ambiental e mobilização social

A sensibilização da sociedade tem se mostrado uma importante ferramenta na proteção do bugio-ruivo. O projeto CEPESBI/Projeto Bugio vem desenvolvendo campanhas de educação ambiental voltadas para a conscientização sobre a importância ecológica e sanitária desses primatas. Utilizando mídias audiovisuais, entrevistas em rádios, televisão e redes sociais, o projeto destaca a função dos bugios como sentinelas da circulação do vírus da febre amarela, desmistificando a ideia equivocada de que são responsáveis pela propagação da doença. Ao informar e envolver a população, essas ações fortalecem a proteção dos primatas e dos ecossistemas em que vivem.

Infraestrutura para a Convivência Urbana

Iniciativas locais, como as do Núcleo de Extensão Macacos Urbanos (NEMU/UFRGS) em Porto Alegre, têm inovado ao buscar formas de mitigar conflitos entre o bugio-ruivo e o ambiente urbano. A instalação de pontes de corda sobre vias públicas facilita o deslocamento seguro dos animais, evitando atropelamentos e acidentes com redes elétricas — causas frequentes de mortalidade em áreas urbanizadas. Essas soluções mostram que a coexistência entre vida silvestre e cidades é possível, desde que planejada e apoiada por políticas públicas e pela participação comunitária.

Diante desse conjunto de esforços e inovações, torna-se evidente que a proteção do bugio-ruivo exige ações contínuas e integradas, pois apesar dos avanços promovidos por projetos de conservação, educação e infraestrutura, a tendência populacional do bugio-ruivo segue em declínio, impulsionada pela fragmentação do habitat, pelas epidemias e pela pressão antrópica contínua. A sobrevivência da espécie depende de ações coordenadas, como a ampliação e a conexão de áreas protegidas, a expansão dos programas de reintrodução e a intensificação da mobilização social para a proteção da biodiversidade.

O envolvimento ativo de ONGs, órgãos governamentais e comunidades locais, evidenciado em iniciativas como o Programa Silvestres SC e o Projeto Bugio, é fundamental para reverter o cenário atual. A continuidade e o fortalecimento dessas ações podem garantir um futuro mais promissor para o bugio-ruivo.

Fontes: ICMBio, O Eco (1), O Eco (2), FURB, Biodiversity4all, Notisul, UPF, Prefeitura/SP, The Conversation, Rede de Proteção Animal, Instituto Fauna Brasil, UFRGS

Fotos: Bugio-ruivo_by Arthur Alves e segunda foto:_by Guilherme Brandão e terceira foto: Bugio-ruivo_by Francisco Zanella