A Nyctimantis diadorim, uma recém-descoberta espécie de perereca-de-capacete, foi descrita em um estudo recente publicado na revista Herpetologica por uma equipe de pesquisadores brasileiros e argentinos. Este anfíbio é endêmico do bioma Cerrado, um dos ecossistemas mais ameaçados do Brasil, e foi encontrado exclusivamente no Parque Nacional Grande Sertão Veredas, localizado na divisa entre os estados de Minas Gerais e Bahia. O nome da espécie homenageia Diadorim, personagem do romance "Grande Sertão: Veredas" de João Guimarães Rosa, um clássico da literatura brasileira.
Descoberta e Descrição
A Nyctimantis diadorim foi
observada pela primeira vez em 2011, quando pesquisadores da Universidade de Brasília (UNB) realizavam um
inventário de espécies de anfíbios no Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Na
ocasião, o espécime chamou a atenção por suas características morfológicas
distintas, indicando que poderia se tratar de uma nova espécie. No entanto,
dados mais detalhados eram necessários para confirmar essa hipótese. Em
dezembro de 2015, uma nova expedição ao parque possibilitou a coleta de mais
exemplares, permitindo que os pesquisadores analisassem melhor a espécie,
embora não tivessem conseguido gravar vocalizações ou localizar girinos. Mesmo
assim, as informações coletadas foram suficientes para dar continuidade ao
processo de descrição formal.
Após uma década de estudos e coleta
de dados adicionais, os cientistas submeteram o artigo de descrição formal em
março de 2024. Esse processo incluiu análises genéticas e detalhadas
comparações morfológicas que confirmaram a Nyctimantis diadorim como uma
espécie distinta. Durante esse período, foi publicada uma importante revisão
taxonômica do grupo das pererecas-de-capacete, realizada por pesquisadores do Museu Argentino de Ciências Naturais.
O estudo utilizou o DNA da espécie ainda não descrita, contribuindo para
estabelecer relações de parentesco e redefinir o gênero Nyctimantis, que passou
de uma para sete espécies devido às mudanças taxonômicas propostas.
A descrição da Nyctimantis
diadorim envolveu um esforço colaborativo entre pesquisadores de diversas
instituições brasileiras, como a Universidade de Brasília (UnB), o Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Do
lado argentino, participaram especialistas da Universidade de Buenos Aires
(UBA), consolidando uma rede de cooperação internacional essencial para o
estudo e descrição dessa nova espécie.
Características morfológicas e comportamentais
A Nyctimantis diadorim é um
pequeno anfíbio, com pouco mais de 5 centímetros de comprimento, com corpo
delgado e coloração que varia em tons de marrom. O aspecto mais notável dessa
perereca é o conjunto de protuberâncias ósseas em seu crânio, formando um
“capacete”, uma característica típica das pererecas-de-capacete do Cerrado.
Seus grandes olhos castanho-avermelhados e língua em formato de coração
conferem-lhe um visual único. Além disso, esses anfíbios apresentam uma
capacidade de mudar de cor entre o dia e a noite, variando em tons de marrom e,
ocasionalmente, exibindo manchas creme.
Quando capturados, esses animais
expelem uma substância pegajosa e inodora pela pele, provavelmente um mecanismo
de defesa. Embora inofensiva ao toque humano, essa secreção é uma
característica de defesa interessante, sugerindo adaptação ao ambiente hostil
do Cerrado.
Habitat e distribuição
A Nyctimantis diadorim é
encontrada exclusivamente no Parque Nacional Grande Sertão Veredas, uma unidade
de conservação que protege áreas representativas do bioma Cerrado. Esse parque
abriga as matas
paludosas, o habitat primário dessa perereca-de-capacete, que depende de
ambientes alagadiços com solo pouco consolidado e sem cursos d'água contínuos.
Essas matas paludosas ocupam apenas
uma pequena parcela do Cerrado e estão sob constante ameaça. Esse ambiente é
particularmente sensível ao fogo, uma vez que depende do lençol freático para
manter a umidade do solo. Com o rebaixamento desse lençol freático devido à
extração intensiva de água e ao desmatamento, a vegetação torna-se mais seca,
aumentando a vulnerabilidade aos incêndios, que podem destruir
completamente áreas essenciais para a sobrevivência de espécies como a Nyctimantis
diadorim. Como a espécie tem uma distribuição geográfica limitada e está
associada a essas áreas alagadiças, qualquer alteração ambiental pode impactar
sua sobrevivência. A preservação dessas matas no parque é, portanto, essencial
para proteger tanto a espécie quanto o ecossistema em que ela vive.
Até o momento, não há registros de
populações da Nyctimantis diadorim fora do Parque Nacional Grande Sertão
Veredas, e investigações futuras são necessárias para determinar sua possível
distribuição em outras regiões do Cerrado. Esses estudos podem contribuir para
uma avaliação mais completa do status de conservação da espécie e para a
criação de estratégias de proteção adequadas, garantindo a sobrevivência de um
dos anfíbios mais raros e recentemente descobertos do Brasil.
Importância da conservação
A Nyctimantis diadorim é
conhecida apenas no Parque Nacional Grande Sertão Veredas, uma unidade de
conservação de proteção integral. A ausência de registros fora desta área torna
a população do parque crucial para a sobrevivência da espécie. Contudo, a
integridade deste ecossistema encontra-se ameaçada pela pressão de atividades
agrícolas, como o cultivo de soja, e pelo rebaixamento do lençol freático,
que aumenta o risco de incêndios em matas paludosas.
A descrição formal dessa espécie
reforça a relevância do Parque Nacional Grande Sertão Veredas como um refúgio
de biodiversidade. Assim, políticas de conservação devem ser priorizadas para
garantir a proteção do habitat natural da Nyctimantis diadorim e evitar
o desaparecimento desta e de outras espécies ainda desconhecidas do Cerrado.
A descoberta da Nyctimantis
diadorim demonstra a riqueza ainda oculta da biodiversidade do Cerrado e a
necessidade urgente de estudos e medidas de conservação. A descrição formal de
novas espécies é essencial para a ciência e para a implementação de políticas
de proteção ambiental. No caso dessa perereca-de-capacete, um animal com
características únicas e habitat restrito, sua preservação depende diretamente
da continuidade de esforços para proteger o Parque Nacional Grande Sertão
Veredas e outros ecossistemas ameaçados do Cerrado.
Fontes:G1Globo,
Herpetologica, Miami Herald, MSN, Canal 26 Planeta, Huffington Post, Andalucia Informa
Fotos: Perereca-de-capacete-diadorim by Reuber Brandão (Todas as fotos desta postagem)