A luta pela sobrevivência do martim-pescador-de-Guam, extinto na natureza

 O martim-pescador-de-Guam (Todiramphus cinnamominus), conhecido como sihek pelos habitantes nativos de Guam, é uma ave que, ao longo das últimas décadas, passou por um processo dramático de extinção na natureza. Originalmente endêmico de Guam, um território dos Estados Unidos na Micronésia, esse pássaro viu sua população ser drasticamente reduzida devido à introdução de espécies invasoras, particularmente a cobra-marrom-da-árvore (Boiga irregularis), no seu habitat natural. Hoje, ele sobrevive apenas em cativeiro, enquanto esforços contínuos buscam reintroduzi-lo em seu ambiente selvagem.

Características da espécie

O martim-pescador-de-Guam é um pássaro de tamanho médio, medindo entre 20 e 24 cm de comprimento. Sua coloração é marcante, com uma cabeça de tom marrom-canela e asas e cauda de um azul iridescente. Os machos adultos apresentam partes inferiores também em canela, enquanto as fêmeas e os juvenis possuem penas brancas na parte inferior do corpo. O bico longo e pesado dessa espécie é adaptado para capturar suas presas, que incluem pequenos animais, como lagartos, insetos e caranguejos terrestres. Embora o pássaro seja conhecido por seu comportamento reservado, ele é territorial e costuma fazer seus ninhos em cavidades de árvores de madeira macia, onde cuida de seus filhotes.

Declínio e extinção na natureza

A extinção na natureza do sihek está intimamente ligada à introdução da cobra-marrom-da-árvore em Guam, na década de 1950. Esse predador invasivo, sem competidores naturais na ilha, rapidamente causou a queda de diversas populações de aves nativas. O martim-pescador-de-Guam foi uma das espécies mais afetadas, sendo visto pela última vez em estado selvagem em 1986. Para evitar a completa extinção da espécie, um grupo de 29 indivíduos foi capturado e transferido para programas de reprodução em cativeiro nos Estados Unidos. No entanto, desses indivíduos, apenas 16 se reproduziram com sucesso, levando a uma pequena população de siheks sob cuidados humanos.

Esforços de conservação

Desde 1988, o martim-pescador-de-Guam sobrevive exclusivamente em cativeiro, com menos de 200 indivíduos atualmente. Essa população limitada é mantida em zoológicos e outras instituições de conservação, tanto nos Estados Unidos quanto em Guam. Apesar dos desafios, como a baixa diversidade genética resultante da consanguinidade, os programas de reprodução em cativeiro têm sido fundamentais para preservar a espécie. Contudo, as limitações de espaço e a dieta especializada dos siheks tornam sua manutenção um processo caro e difícil, agravado por eventos como a pandemia da COVID-19, que pressionou financeiramente as instituições responsáveis.

O plano de reintrodução

Em 2020 foi formado um grupo mundial de especialistas para traçar a melhor estratégia de reintrodução do martim-pescador-de-Guam, o Sihek Recovery Team. Além da agência americana (U.S. Fish & Wildlife Service) estão envolvidos no projeto de conservação o Departamento de Agricultura e Recursos Aquáticos de Guam, a organização The Nature Conservancy, a Sociedade de Zoologia de Londres (Zoological Society of London – ZSL), dentre outros. Embora a reintrodução em Guam ainda não seja viável devido à presença contínua da cobra-marrom, o Atol de Palmyra, a cerca de 1.600 km ao sul do Havaí, foi escolhido como o local ideal. Palmyra oferece um ambiente seguro, protegido por lei, com condições climáticas semelhantes às de Guam. Em setembro de 2024, após décadas de preparação, seis siheks foram reintroduzidos no atol, com outros três a serem soltos em breve. A expectativa é de que essa reintrodução aumente a população global da espécie em mais de 40%.

O futuro da espécie

A reintrodução no Atol de Palmyra representa uma etapa importante no esforço global para salvar o martim-pescador-de-Guam da extinção completa. O processo de transporte e incubação de ovos, seguido pelo cuidado em viveiros ao ar livre e a posterior liberação, tem sido monitorado de perto por especialistas de várias instituições. Com o uso de pequenos transmissores, as aves são acompanhadas para garantir sua adaptação ao novo ambiente. Especialista enfatizam a importância desse controle rigoroso, que permite intervir, se necessário, para garantir a sobrevivência das aves.

O caso do martim-pescador-de-Guam é um exemplo claro da fragilidade das espécies insulares diante de ameaças como predadores invasores. No entanto, também serve como um símbolo de esperança, demonstrando que esforços coordenados de conservação podem evitar a extinção de espécies. A reintrodução no Atol de Palmyra não só visa aumentar a população global do sihek, mas também oferece um modelo de como as práticas de conservação podem ser aplicadas para outras espécies ameaçadas ao redor do mundo.

Fontes: Wilder Institute, Oregon Zoo, Conexão Planeta (1), Conexão Planeta (2), Forbes, U.S. Fish & Wildlife Service, Zoo Chat, Smithsonian’s National Zoo, Zoological Society of London, The Nature Conservancy

Fotos: Martim-pescador-de-Guam_dw-ross, segunda foto: de Pastough e terceira foto: Divulgação Oregon Zoo