Gato-nebuloso: uma nova espécie de felino sul-americano e os desafios de sua conservação


 O estudo das espécies de gatos selvagens é uma tarefa desafiadora, especialmente quando se trata de grupos complexos e pouco estudados, como o complexo tigrinus. Recentemente, a comunidade científica foi surpreendida pela descoberta e descrição de uma nova espécie, o gato-nebuloso (Leopardus pardinoides), que anteriormente era considerado uma subespécie do Leopardus tigrinus. Esta descoberta não só expande o conhecimento taxonômico sobre esses felinos, mas também levanta importantes questões de conservação, dado o estado de ameaça em que essas espécies se encontram.

A descoberta do gato-nebuloso

Em um estudo publicado na revista Scientific Reports, em 29 de janeiro de 2024, mais de 40 cientistas uniram esforços para descrever o Leopardus pardinoides como uma espécie distinta. Anteriormente considerado parte das subespécies L. t. pardinoides e L. t. oncilla, o gato-nebuloso agora é reconhecido como uma espécie plena, ao lado do gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrinus) e do gato-do-mato-pequeno-do-sul (Leopardus guttulus). Esta reclassificação é resultado de uma colaboração internacional liderada pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), envolvendo análises morfológicas, genéticas e biogeográficas.

Diferenças morfológicas e ecológicas

O Leopardus pardinoides recebeu o nome de gato-nebuloso devido às suas rosetas desproporcionais, que lembram nuvens em sua pelagem alaranjada e brilhante. Em comparação, o gato-do-mato-pequeno possui uma coloração mais clara, com rosetas menores e mais abertas, enquanto o gato-do-mato-pequeno-do-sul apresenta rosetas maiores, porém menos marcantes que as do gato-nebuloso. As distinções morfológicas entre essas espécies são sutis e perceptíveis principalmente para especialistas, destacando a complexidade da taxonomia felina. Veja figura abaixo comparando os três gatos selvagens.

Distribuição geográfica e habitat

Cada uma dessas espécies ocupa habitats distintos, refletindo suas adaptações ecológicas. O gato-nebuloso é encontrado nas florestas nebulosas de alta altitude do sul da América Central (Costa Rica e Panamá) e dos Andes, até o noroeste da Argentina, preferindo áreas acima de 1.500 metros, onde a temperatura média anual não ultrapassa 17 °C. Em contraste, o gato-do-mato-pequeno habita as savanas e sub-bosques do Cerrado e Caatinga, em altitudes mais baixas e com vegetação mais aberta. Já o gato-do-mato-pequeno-do-sul é um habitante das florestas úmidas da Mata Atlântica, em altitudes que variam até 1.800 metros.

Desafios de conservação

Apesar das recentes descobertas, as três espécies do complexo tigrinus enfrentam sérios riscos de extinção devido à perda de habitat e à fragmentação populacional. Estudos indicam reduções alarmantes na distribuição histórica dessas espécies: 55,9% para o L. tigrinus, 50,4% para o L. pardinoides, e 68,2% para o L. guttulus. Além disso, a degradação do habitat, atropelamentos e a transmissão de doenças por cães selvagens e domésticos agravam ainda mais a situação desses felinos.

Comportamento e ecologia do gato-nebuloso

O Leopardus pardinoides é um felino noturno e arborícola, que passa grande parte do tempo em árvores, saltando com agilidade entre os galhos. Sua dieta é composta por pequenos mamíferos, aves e insetos, desempenhando um papel crucial no equilíbrio dos ecossistemas onde vive. Uma característica peculiar do gato-nebuloso é que ele possui apenas um par de mamas, ao contrário das outras espécies do complexo tigrinus, que têm dois pares. Este fato, juntamente com sua pelagem densa e manchada, o torna uma espécie singular no reino animal.

Importância da conservação

A descoberta do gato-nebuloso enfatiza a necessidade urgente de reforçar os esforços de conservação. O fato de que grandes partes das distribuições dessas espécies estão localizadas em áreas sujeitas à intensa pressão humana, como o Brasil e a Colômbia, destaca a importância de políticas ambientais rigorosas. A sobrevivência dessas espécies depende diretamente da proteção de seus habitats naturais, que estão cada vez mais ameaçados pela expansão agrícola, desmatamento e mudanças climáticas.

A identificação do Leopardus pardinoides como uma nova espécie plena é um marco significativo na biologia da conservação, trazendo à tona a complexidade e a vulnerabilidade dos felinos sul-americanos. À medida que novas descobertas continuam a emergir, torna-se evidente a necessidade de uma abordagem integrada para a proteção desses animais. O estudo liderado pela UEMA e outros pesquisadores ao redor do mundo não só esclarece a taxonomia do complexo tigrinus, mas também serve como um alerta para a urgente necessidade de conservar os habitats críticos dessas espécies ameaçadas.

Fontes: G1 Globo, Fapesp, Sci News, Jornal Fatos e Notícias, Mongabay, Big Cat Rescue, SIB.Argentina, National Geographic, MBZ-Species Conservation Fund, Ladera Sur, Tiger cats, Scientific Reports

Foto: Gato-nebuloso_by Klaus Rudloff e segunda foto: Três gatos selvagens_Cortesia de Tiger Cats Conservation Initiative