Em meio às florestas exuberantes de Arunachal Pradesh, na Índia, vive o rouxinol dos Buguns (Liocichla bugunorum) uma espécie de ave passeriforme notável, pequena e de plumagem cinza-oliva, marcada com tons amarelo-alaranjados proeminentes. Sua impressionante cabeça negra e asas manchadas de amarelo, vermelho e branco, juntamente com a cauda preta adornada com coberturas de cor carmesim e pontas vermelhas, tornam-no uma imagem admirável. Com um comprimento aproximado de 20 cm, esta espécie chama a atenção tanto por sua bela aparência quanto por seu canto fluido e distinto, semelhante ao de uma flauta.
Depois de 50 anos o rouxinol
dos Buguns foi a primeira ave descoberta na Índia
Esta espécie singular foi descrita
para a ciência apenas em 2006 no Eaglenest
Wildlife Sanctuary em Arunachal Pradesh. A descoberta foi considerada
especial por diversos motivos. Não só porque o rouxinol dos Buguns foi a
primeira espécie de ave a ser descrita na Índia em mais de 50 anos, mas também
porque, ao contrário do que é comum em tais descobertas, nenhum indivíduo da
espécie teve que ser sacrificado. A descrição completa foi feita após a captura
e análise de dois indivíduos usando redes de neblina. Devido à aparente
raridade da espécie, nenhum espécime-tipo foi coletado. Em vez disso, penas da
rede de neblina, fotografias, gravações e notas foram usadas como holótipo, ou
seja, o exemplar que serve de base para a descrição de uma nova espécie. Isso é
permitido pelo Código
Internacional de Nomenclatura Zoológica, que aceita "qualquer parte de
um animal" como representação do espécime-tipo.
Descoberta ocorreu nas terras
dos indígenas Buguns dos quais o rouxinol recebeu seu nome
Essa descoberta ocorreu em terras
pertencentes à tribo
indígena Bugun, que teve a honra de dar seu nome à nova espécie, tanto na
denominação científica quanto comum. Após a descoberta do pássaro, em maio de
2006, uma ave foi capturada com rede de neblina e, baseado nesse indivíduo, a
espécie foi descrita e nomeada Liocichla bugunorum, em reconhecimento ao
apoio da tribo Bugun ao Projeto
de Biodiversidade Eaglenest e às iniciativas de conservação associadas. A
descoberta foi tão marcante que o Departamento de Correios do Governo da Índia
lançou um selo comemorativo em sua homenagem.
Pássaro é extremamente raro sendo
encontrado somente numa floresta comunitária
Atualmente, o rouxinol dos
Buguns é classificado como Criticamente Ameaçado de Extinção (CR) pela Lista Vermelha da
IUCN, e apenas três pares reprodutores são conhecidos. Estima-se que existam
apenas entre 14 a 20 indivíduos no mundo. Os avistamentos dessa espécie se
limitam a uma faixa muito restrita de distribuição, a uma altitude de 2.000
metros em encostas perturbadas cobertas de arbustos e pequenas árvores.
No coração desse cenário está o
pedaço de floresta onde a espécie foi originalmente encontrada, um território
que estava sob o controle da tribo Bugun da aldeia Singchung, localizada na
periferia do Santuário
Eaglenest. Embora a comunidade já protegesse a floresta, a área não tinha
proteção legal. A descoberta de que a floresta comunitária abrigava
várias espécies endêmicas ajudou a moldar a ideia de declará-la como uma
reserva comunitária. O objetivo era fornecer proteção legal à área, assim como
é feito com parques e santuários de vida selvagem, ao mesmo tempo em que se
incentivava o ecoturismo e melhorava os meios de subsistência locais
para que a comunidade pudesse tomar medidas adicionais para a conservação.
Esforços dos indígenas buguns
e conservacionistas conseguiram estabelecer reserva comunitária
A Reserva Comunitária da Aldeia
Singchung Bugun (SBVCR) foi oficialmente declarada em 2017. É um exemplo
notável de colaboração entre comunidade e departamento florestal para a
conservação. A reserva, incluindo a equipe de patrulha e a infraestrutura
relacionada à patrulha, é financiada por doações do Rainforest Trust, uma organização
ambiental sem fins lucrativos, e algumas outras organizações, como a Wildlife Trust of India, que contribuíu com
dispositivos de GPS e provisões para a equipe de patrulha.
Este esforço monumental não
passou despercebido. Em 2018, a Reserva
Comunitária da Aldeia Singchung Bugun recebeu o Prêmio de Biodiversidade da
Índia do governo indiano e do Programa de
Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD). Este prestigioso reconhecimento,
que vem com um prêmio de US$ 1.400, homenageia “modelos excepcionais de
conservação da biodiversidade, uso sustentável e governança no nível de base”.
Além disso, a comunidade já havia recebido um prêmio de US$ 7.000 do governo do
estado de Arunachal por ter as “florestas comunitárias mais bem conservadas”.
Indígenas Buguns conseguiram
desenvolver o turismo de observação de aves obtendo renda para a comunidade
Sem dúvida, a descoberta
catapultou instantaneamente o pássaro, os Buguns e as florestas ao redor de
Eaglenest para o centro das atenções internacionais. Em resposta a este foco
renovado na região e à sua rica biodiversidade, em 2006 foi lançado um
empreendimento de turismo de observação de aves, controlado pela comunidade.
Este empreendimento investiu dinheiro obtido por meio de várias doações, tanto
na infraestrutura quanto no conhecimento sobre o ecossistema local. Quatorze
anos depois (em 2020), a empresa continuou a gerar lucro, com uma receita anual
de cerca de US$ 69.000. Este negócio de turismo de observação de aves
também criou empregos e possibilitou uma maior conscientização sobre a
importância da conservação entre a comunidade local e os visitantes.
A empresa de turismo não só
providenciou empregos para guias turísticos, mas também para motoristas,
cozinheiros e outros funcionários auxiliares. Além disso, forneceu à comunidade
uma fonte adicional de renda que não envolvia a extração de recursos da
floresta, ajudando assim a preservar o habitat local. Este empreendimento
também se tornou uma ferramenta educativa valiosa. Os guias turísticos locais
foram treinados em ornitologia, botânica e outras áreas da ciência ambiental,
aumentando o seu conhecimento e apreciação pelo meio ambiente. Esta educação
ambiental se estendeu aos visitantes, que aprenderam sobre a importância de
preservar estes ecossistemas delicados.
Proteção da floresta onde vive
o rouxinol dos Buguns só foi possível com o envolvimento da comunidade local
A comunidade Bugun
demonstrou que a conservação da natureza pode ser bem-sucedida quando a comunidade
local está envolvida e possui um interesse pessoal no sucesso do projeto.
Eles têm orgulho em proteger a floresta e o rouxinol dos Buguns, e estão
entusiasmados em compartilhar a beleza natural de sua terra com os visitantes.
É importante destacar que,
enquanto os esforços de conservação e turismo têm sido muito bem-sucedidos, a comunidade
Bugun e os apoiadores da reserva também estão cientes dos desafios futuros.
Mudanças climáticas, expansão urbana e caça ilegal são ameaças constantes que
requerem vigilância e esforços contínuos para garantir a sobrevivência a longo
prazo da floresta e suas espécies únicas.
A história da Reserva
Comunitária da Aldeia Singchung Bugun e do rouxinol dos Buguns é uma
inspiração para a conservação comunitária. Ela destaca como um foco em
preservação, ecoturismo e educação pode não só proteger a
biodiversidade, mas também melhorar a vida da comunidade local. Ainda há
muito a ser feito para garantir a sobrevivência a longo prazo dessa espécie e
de seu habitat, mas esta história oferece uma luz de esperança e um modelo para
esforços futuros de conservação.
Fontes: Bubo Birding, Vikalp
Sangam, Focusing
on WildLife, Ebird, Birdlife
International, The Wire, Round Glass Sustain
Fotos: Rouxinol dos Buguns_by Millo Tasser e segunda foto: Rouxinol dos Buguns_Picture Bird