O cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) é o maior cervídeo da América do Sul e ocupa um nicho ecológico distintivo em campos periodicamente inundados, como várzeas, brejos e savanas inundáveis. Estes animais, que podem pesar até 150 quilos e medir até 1,90 metros de comprimento e 127 centímetros de altura, são notáveis por sua capacidade de nadar e se adaptar a ambientes alagados. Os machos, com chifres que podem atingir 70cm de altura, são particularmente procurados como troféus de caça, uma pressão que tem diminuído devido à raridade progressiva da espécie e a sua ocorrência em áreas de difícil acesso.
Cervo-do-pantanal está com
população em declínio acentuado
Tradicionalmente, esta espécie
era encontrada em todas as regiões do Brasil. Contudo, nas últimas décadas,
houve um declínio populacional acentuado, vinculado principalmente à construção
de hidrelétricas, caça e drenagem de várzeas para uso agropecuário. Isso
resultou na redução significativa de seu habitat original. Atualmente, sua
distribuição é mais limitada, com populações remanescentes e risco de extinções
locais.
Embora sejam animais diurnos,
em locais onde a caça é intensiva adquirem hábitos noturnos
Os cervos-do-pantanal
geralmente são solitários, formando ocasionalmente pequenos grupos familiares.
São animais diurnos, que podem tornar-se noturnos em locais de caça
intensiva. Predadores naturais incluem a onça-parda (Puma concolor) e a
onça-pintada (Panthera onca), enquanto espécies como o lobo-guará (Chrysocyon
brachyurus), jacarés (Caiman sp.) e sucuris (Eunectes murinus) podem predar os
filhotes.
Ameaçada de extinção é uma das
vítimas principais da construção de grandes hidrelétricas
No Brasil, a espécie está listada
como ameaçada de extinção pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela União Internacional de
Conservação da Natureza (IUCN) na categoria "vulnerável". As
principais ameaças à sobrevivência do cervo-do-pantanal incluem a perda
de habitat devido ao avanço das fronteiras agrícolas, caça ilegal, construção
de usinas hidrelétricas e doenças introduzidas por ruminantes domésticos. A
construção de grandes hidrelétricas tem se tornado a principal causa do
desaparecimento das populações naturais da espécie.
Há diversas ações de conservação
em andamento para conservação do cervo-do-pantanal
Nesse cenário de declínio,
diversas ações de conservação foram implementadas. O Plano
de Ação Nacional para Conservação dos Cervídeos Brasileiros (PAN Cervídeos),
coordenado pelo ICMBio e finalizado em 2015, além do Plano
de Ação Nacional para a Conservação dos Ungulados com vigência de 2019 a 2024,
são iniciativas governamentais importantes. No nível estadual, o Paraná lançou
um Plano de Conservação para Espécies de Mamíferos Ameaçados de Extinção, que
inclui o cervo. No Rio Grande do Sul, foi criado o Programa
de Conservação do Cervo-do-Pantanal (PROCERVO) em 2010, visando impedir o
desaparecimento do cervo no estado.
Adicionalmente, há esforços para
conservação ex situ. O Núcleo de Pesquisa
e Conservação de Cervídeos (NUPECCE) da UNESP/Jaboticabal tem desenvolvido
um programa relevante nesse sentido. O Brasil tem cerca de 100 cervos em
cativeiro, distribuídos em 18 instituições, incluindo zoológicos, criadouros e
universidades.
Vários estados brasileiros
estão com população muito reduzida do cervo podendo haver extinções locais em
curto prazo
Estados originalmente habitados
por populações importantes de cervos, como São Paulo, Paraná, Rio Grande do
Sul, Goiás, Minas Gerais e Bahia, hoje possuem apenas populações residuais da
espécie, havendo possibilidade de extinções locais em curto espaço de tempo. A
espécie também consta nas listas estaduais de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e
Rio Grande do Sul na categoria de Criticamente Ameaçada. Em Santa Catarina é
considerada extinta.
Para além do Brasil, a espécie é
considerada extinta no Uruguai, em perigo na Argentina e vulnerável na
Bolívia. No Peru, há apenas subpopulações bastante reduzidas em Pampas
del Heath , no Parque
Nacional Bahuaja-Sonene e na Reserva Nacional de
Tambopata No Paraguai, a principal população se encontra em Yacyretá, sendo
encontrado também em outras áreas protegidas.
Embora haja estados onde há
populações significativas do cervo, no extremo sul há uma população diminuta
que resiste à urbanização crescente
Apesar da situação crítica, ainda
existem populações significativas de cervos-do-pantanal no Pantanal
brasileiro (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), na Ilha do Bananal, Rio Araguaia
(Mato Grosso e Tocantins), no Rio Guaporé (Rondônia) e nas várzeas
remanescentes do Rio Paraná (Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo).
Em particular, a última população
conhecida do cervo-do-pantanal no Rio Grande do Sul está isolada em
reservas ambientais na região metropolitana de Porto Alegre. A Área
de Proteção Ambiental (APA) do Banhado Grande e o Refúgio
de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos são os últimos lugares onde 30
cervos pantaneiros no estado mais meridional do país podem ser encontrados.
Recentemente houve a fusão de
duas importantes iniciativas para a conservação do cervo
Com o objetivo de assegurar a
gestão de populações fragmentadas do cervo-do-pantanal, duas instituições
uniram forças em 2022: o Núcleo de Pesquisa e Conservação de Cervídeos
(NUPECCE), baseado na UNESP/Jaboticabal, e o Centro
de Conservação do Cervo-do-Pantanal (CCCP). Esta aliança inclui um projeto
desafiador dos anos 90, quando o CCCP Tijoá foi criado para conservar uma das
últimas populações de cervo-do-pantanal em São Paulo. Essa população habitava
uma região de várzea do Rio Tietê que foi alagada para a construção da barragem
da Usina
Hidrelétrica Três Irmãos. Na ocasião, os animais foram capturados e
mantidos em cativeiro para posterior reintrodução à vida selvagem. Essas duas
entidades de pesquisa, NUPECCE e CCCP Tijoá, unificaram-se em um único centro
de pesquisa, com o NUPECCE recebendo 39 cervos-do-pantanal do CCCP. A
reforma para acomodar esses animais foi financiada pela empresa Tijoá Energia, que
providenciou R$ 4 milhões. O acordo ainda estipula repasses anuais de R$ 1
milhão para a manutenção da infraestrutura e a contratação de uma equipe
técnica.
Um ponto positivo para a
sobrevivência do cervo-do-pantanal é a sua presença em várias unidades de
conservação
Apesar dos desafios de
conservação que o cervo-do-pantanal enfrenta, existem várias unidades de
conservação no Brasil onde ainda pode ser encontrado: Em RONDÔNIA: REBIO do
Guaporé; TOCANTINS: PARNA do Araguaia, PE do Jalapão e ESEC Serra Geral do
Tocantins; MARANHÃO/PIAUÍ/TOCANTINS: PARNA Nascentes do Rio Parnaíba; GOIÁS:
PARNA das Emas, PARNA Chapada dos Veadeiros e RESEX Lago do Cedro; MATO GROSSO:
PARNA do Pantanal Matogrossense, ESEC de Taiamã, PE Guirá, PE Encontro das
Águas e RPPN Sesc Pantanal; MATO GROSSO DO SUL: PE das Várzeas do Rio Ivinhema,
PE do Pantanal do Rio Negro e RPPN Fazendinha; MINAS GERAIS /BAHIA: PARNA do
Grande Sertão Veredas; SÃO PAULO: ESEC de Jataí, PE do Rio Aguapeí e PE do Rio
do Peixe; MATO GROSSO DO SUL/PARANÁ: PARNA de Ilha Grande; RIO GRANDE DO SUL,
Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos.
O futuro do cervo-do-pantanal
continua incerto, mas com a implementação de medidas mitigadoras efetivas, tais
como a conservação do habitat, a contenção da expansão populacional humana, a
fiscalização rigorosa da caça ilegal e a educação ambiental, é possível
assegurar a sobrevivência desta icônica espécie sul-americana.
Fontes: Embrapa,
Ambiente
Brasil, Animal
Diversity, Animal
Business, PAN
Cervídeos, Zoo DF,
Biólogo,
PROCERVO, Fauna
News, NUPECCE,
Jornal
da UNESP, Mongabay
Siglas das Unidades de Conservação: REBIO – Reserva Biológica; PARNA- Parque
Nacional; ESEC – Estação Ecológica; PE-Parque Estadual; RESEX – Reserva Extrativista;
RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural.
Fotos: Cervo-do-pantanal_by Bruce Thomson e segunda foto: casal de cervo-do-pantanal_by Phillip Capper