A trajetória do periquito-cara-suja (Pyrrhura griseipectus) no Ceará é uma história de sucesso resultado do esforço empreendido por inúmeras pessoas e entidades para salvar a ave que estava em situação crítica de extinção (CR) e que hoje desceu para a condição de em perigo(EN) na Lista Vermelha da IUCN. A espécie é exclusivamente nordestina e sua ocorrência atualmente se restringe a quatro pontos do Ceará: Serra de Baturité; Serra do Mel, em Quixadá; Serra Azul, em Ibaretama; e Serra do Parafuso, em Canindé.
Iniciativa da ONG Aquasis contribuiu
para o aumento população do periquito-cara-suja
A situação crítica vivida pelo
periquito, que chegou a ter uma população residual na natureza de apenas uma
centena de indivíduos, foi revertida graças à iniciativa da Organização
Não-Governamental (ONG) Associação de
Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos-Aquasis, com apoio
principal da Fundação
Loro Parque, Chester Zoo e ZGAP (Zoological
Society for the Conservation of Species and Populations). A iniciativa teve
início em 2006 com o lançamento do “Projeto Periquito Cara-Suja”
com o objetivo de intervir efetivamente para evitar a extinção da espécie. Outras
organizações se integraram posteriormente ao projeto como a Fundação
O Boticário de Proteção à Natureza. Esta
colaboração conseguiu implantar um modelo de conservação que pode ser adotado
na proteção de outras aves ameaçadas.
Com a falta de ninhos
naturais, criaram-se ninhos artificiais de caixa-ninho de madeira
Um dos grandes problemas para a
multiplicação dos periquitos era a falta de cavidades naturais para as aves se
reproduzirem, que seriam os espaços ocos nas árvores. Ocorre que houve uma
drástica diminuição das cavidades naturais devido ao desmatamento das matas do
bioma Mata Atlântica. Para resolver o problema os conservacionistas da Aquasis
desenvolveram um método relativamente simples, que consistiu, basicamente, em
oferecer às aves ninhos artificiais seguros (caixas-ninho de madeira)
contra captura por traficantes e ao mesmo tempo sensibilizar as comunidades
locais sobre a importância da preservação da espécie. Essas caixas são
monitoradas permanentemente durante a época de reprodução, que vai de fevereiro
a junho, pelos moradores locais, para que não ocorra predação por
traficantes.
Sucesso do projeto teve como
um dos pontos fortes o engajamento da sociedade
Só para se ter ideia da
importância da iniciativa, entre 2010 e 2022 voaram aproximadamente 2.439 mil
filhotes das caixas-ninho contando com os 472 filhotes deste ano. Esse número
foi alcançado em 12 anos de atividade do projeto que teve início na Serra de
Baturité, onde hoje há uma Unidade de Conservação (UC) na categoria de Refúgio de Vida Silvestre (RVS) do
periquito-cara-suja. O crescimento da população de periquitos também está
diretamente relacionado com a maior preservação das matas, dentro das unidades
de conservação. De acordo com cientistas envolvidos com o projeto, seu
sucesso se deve ao engajamento da sociedade, o suporte financeiro contínuo e a
capacidade técnica desenvolvida pela equipe.
Intenção da equipe responsável
pelo projeto é replicar os resultados para outras regiões
A expectativa da equipe que
desenvolve o projeto é de que os resultados obtidos em Baturité sejam
replicados em outras regiões do Ceará. A ideia é espalhar os filhotes para
outras 14 regiões cearenses, respeitando todo o conhecimento genético e
ecológico que se tem da espécie e privilegiando as áreas onde foi extinto. Na
Serra da Aratanha, na Zona Metropolitana de Fortaleza (ZMF) onde a espécie
estava extinta, há um processo de reintrodução em curso, que soltou em maio deste
ano (2022) 12 exemplares oriundos da Serra do Baturité, que pode vir a se
constituir em uma nova subpopulação da ave.
Oficina realizada em 2018 foi
importante para planejar próximos passos na recuperação da espécie
Um acontecimento relevante no
planejamento da proteção do periquito-cara-suja do Ceará foi a
realização entre 11e 14 de dezembro de 2018 de um Workshop
em Foz do Iguaçú, no Paraná com a participação do Parque das Aves, UICN
CSE Grupo Especialista em Planejamento de Conservação, Centro Nacional de Pesquisa e
Conservação de Aves (CEMAVE/ICMBio), Programa Papagaios do Brasil e Fundação
O Boticário de Proteção à Natureza. A oficina teve o objetivo, entre outros
temas, avaliar a conservação do periquito-cara-suja no Brasil. Em seu
relatório final os integrantes fizeram várias observações, posicionamentos e
recomendações para a proteção da espécie ameaçada de extinção.
Identificou-se que há uma
importante população de periquitos-cara-suja na Europa
Os participantes da oficina
reconheceram o sucesso com a reprodução da espécie em criadouros nacionais, e
também em zoológicos internacionais. Na Europa há uma população de
aproximadamente 300 aves originada dos Estados Unidos na década de 1980.
Acredita-se que a população cativa no Brasil é toda oriunda da Serra do
Baturité. No entanto, a origem da população presente hoje na Europa é antiga,
portanto, há a possibilidade de que preservem alguns alelos de outras populações que
se extinguiram no Brasil.
Reprodução em cativeiro do
periquito-cara-suja deve servir para criar uma população de segurança para a
ave
Como resultado da discussão na
oficina, decidiu-se estabelecer uma população de segurança para o periquito-cara-suja
do Ceará. Nesse sentido observou-se que existem quatro opções de populações
fonte para desenvolver a população de segurança: aves capturadas
diretamente da natureza, aves de criadores comerciais no Brasil, aves da Europa
e aves de apreensões. O primeiro passo é estabelecer o que é necessário para
criar a população de segurança e depois estabelecer a ordem e a
prioridade das ações.
Nessa perspectiva, de criação de
uma população de segurança, há atualmente um grupo de especialistas trabalhando
com a espécie e promovendo o intercâmbio de informações entre as instituições, entre
as quais o Parque das Aves, Chester Zoo, Fundação Loro Parque e o ZGAP.
Muitas áreas de ocorrência
histórica do periquito não mais server para reintroduções
Para as reintroduções na
natureza há necessidade de se levar em consideração que algumas das áreas
de ocorrência histórica já não estão mais disponíveis, devido ao desmatamento,
mudanças no tipo de uso do solo e uso da paisagem. No entanto, em outras áreas
houve crescimento da área florestal devido à criação de áreas protegidas,
sendo estas, potenciais áreas para reintrodução da espécie.
Modelo de conservação da ONG
Aquasis pode ser replicado para situações semelhantes
A ONG Aquasis conseguiu
estabelecer um projeto de sucesso na proteção do periquito-cara-suja, num
trabalho que deve servir de modelo para outras iniciativas de salvamento de
espécies ameaçadas de aves com as mesmas características.
Fontes: O Povo online, Diário
do Nordeste (1), O Eco, Terra,
Diário
do Nordeste (2) , Eco
Nordeste (1), Eco
Nordeste (2), Diário
do Nordeste (3), G1Globo
, Diário
do Nordeste (4), O
Povo, Aquasis, Conexão
Planeta, EcoNordeste
(3), EcoNordeste
(4), Estadão,
Cope,
ICMBio,
EcoNordeste
(5), UFC
, Espaço
Ecológico
Fotos: Periquito-cara-suja do Ceará_by Fabio Nunes e segunda foto: Claudia Brasileiro